Por Fábio Pannunzio
O relatório da Polícia Federal sobre o golpe de Bolsonaro revelou ao país um personagem de quem pouco se ouvia falar, mas que teve uma importância central tanto na articulação da cúpula militar do terceiro andar do Palácio do Planalto quanto na organização dos acampamentos dos chamados patriotas (ou patriotários, como queira).
Trata-se do general Mário Fernandes, o principal coordenador da insurgência. Como se sabe, ele era formalmente o número 2 da Secretaria Geral da Presidência da República. Mas durante o período em que tramava contra as instituições, ocupava como substituto a chefia da Secretaria Geral, o que lhe dava o status de ministro interino — e também acesso privilegiado ao chefe da organização criminosa, o então presidente Jair Bolsonaro.
Foi nessa condição que ele passou a frequentar o acampamento montado em frente ao QG do Exército, no Setor Militar Urbano de Brasília, onde mantinha relação direta com líderes dos manifestantes e a orientava pessoalmente a mobilização dos fanáticos bolsonaristas. Era um gorila muito bem conhecido no covil dos insurgentes.
A PF conseguiu recuperar no telefone do General fotos que registram a presença de Mário Fernandes no acampamento de Brasília em pelo menos quatro oportunidades entre os dias 2 de novembro e 18 de dezembro. Nas selfies que ele fez, Fernandes aparece sempre em primeiro plano no meio dos fanáticos vestindo a camiseta verde-amarela, a indumentária dos golpistas.
Além dos registros fotográficos, a PF recuperou várias mensagens trocadas entre o general os líderes dos acampados. Um dos interlocutores frequentes é o caminhoneiro Lucas Rotilli Durlo.
Lucão, como ele é conhecido, recebia orientações diretas do militar, como essa, sobre o caráter dos protestos: “O importante é ser ordeiro extremamente controlado por todos nós que estamos atentos a esses aspectos pra que a gente mantenha o máximo de controle sobre essas ações, tá? E… e essa pressão ela acaba sendo importante também aqui na Esplanada”, disse ele ao enaltecer a liderança do caminhoneiro em 28 de novembro.
No dia 8 de dezembro, Lucão relata ao general sua preocupação com uma ordem do Ministro Alexandre de Moraes para apreender e multar os caminhões e ônibus estacionados nas cercanias dos quartéis.
Imediatamente, Mário Fernandes envia uma mensagem a Mauro Cid, o faz-tudo do Presidente: “Pô, a gente tem procurado orientar tanto o pessoal do AGRO como os CAMINHONEIROS que tão lá em frente ao QG. E pô e hoje chegou pra gente que parece que existe um mandado de busca apreensão do TSE ou do SUPREMO em relação aos caminhões que tão lá”, reclamou o interino da Secretaria Geral da Presidência ao ajudante de ordens de Bolsonaro.
Mauro Cid também foi rápido na resposta: “Pode deixar, general. Vou conversar com o presidente. (…) Sobre os caminhões, pode deixar que eu vou comentar com ele, porque o Exército não pode papar mosca de novo”, escreve Mauro Cid, deixando claro que Bolsonaro era informado de cada pequeno problema da organização do golpe.
O general também deixa claro que tinha ascendência sobre o presidente Bolsonaro nas trocas de mensagens com os patriotários. É para o caminhoneiro Lucão que Fernandes escreve no dia seguinte, quando Bolsonaro decidiu, por sugestão dele, sair para conversar com os manifestantes na porta do Palácio da Alvorada. “Meu amigo, muito bacana o presidente ter ido lá à frente ali do Alvorada e ter se pronunciado, cara. Que bacana que ele aceitou aí o nosso assessoramento”, diz Mário Fernandes se autoelogiando.
Não é segredo para ninguém que havia uma coordenação oculta nas aglomerações e manifestações aparentemente espontâneas. O que não se sabia até agora é como funcionava a engrenagem que conectava e subordinava a multidão insurgente ao Palácio do Planalto. A peça produzida pela PF fechou essa lacuna.
Mário Fernandes, entre outros assuntos, mandou confeccionar faixas e interveio até mesmo quando foi instado a intervir para que a Polícia do Exército autorizasse a instalação de uma barraca no acampamento de Brasília. Ele era o elo que faltava para elucidar a conexão do que se passava nas ruas com a cúpula do golpe.
Era também o homem que resolvia todos os problemas para não permitir a dispersão da aglomeração. Foi a ele que recorreu Rodrigo Yassuo Ikezili quando a mulher dele, Klio Hirano, foi presa na invasão da sede da PF no dia 12 de dezembro, logo após a diplomação de Lula. Na tentativa de resolver o problema, Rodrigo Yassuo enviar a seguinte mensagem ao General Fernandes: “O senhor está em Brasília? O senhor está ocupado? Peço uma orientação, por favor. Brasil”, roga o militante bolsonarista.
Klio foi processada e cumpre medidas cautelares. Apesar disso, tentou ser candidata à Prefeitura de Tupã, no Oeste paulista, mas teve a candidatura impugnada porque não prestou contas dos gastos da campanha de 2020.
Na véspera da prisão, o casal do interior de São Paulo já sabia da manifestação que vinha sendo preparada para o dia da diplomação. Rodrigo está preocupado com a segurança do badernaço que os golpistas planejavam, ao qual ele se referia como um “churrasco”: “General, consegue confirmar isso, se é verdade, se tem uma agenda assim, por causa que amanhã é dia 12 e… É… Amanhã no Palácio do Planalto, é a questão pra gente ter a segurança”, indagou.
O material levantado pela PF revela também quanto os articuladores do golpe estavam certos da impunidade. Confiantes de que a insurreição devolveria Bolsonaro ao posto de Presidente da República, eles não ser importavam em ser vistos em público orientando o movimento.
A julgar pelo comportamento do general Fernandes, já nem mais faziam questão de dissimular sua presença nos locais em que se tramava abertamente contra as instituições brasileiras e, agora se sabe, também contra a vida de autoridades.
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