Por Lucas Lacerda e Paulo Eduardo Dias
(Folhapress) – De 1.293 ações policiais que terminaram com morte na capital paulista de 2015 a 2020, apenas 122 chegaram a virar denúncia na Justiça. As condenações foram 20, uma parcela de 1,5% do total.
É o que mostra uma pesquisa inédita com dados desses procedimentos no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. De 1.224 inquéritos policiais, inquéritos policiais militares e ações penais de competência do Júri concluídos até 29 de maio deste ano, 1.102 haviam sido arquivados.
Outros 69 ainda estavam em andamento na época da análise, sendo que, desses, 46 estavam em segredo de Justiça e poderiam já ter sido arquivados. Os dados foram reunidos por Débora Nachmanowicz, advogada criminalista e pesquisadora, e apresentados em sua dissertação de mestrado na USP.
Das 20 condenações, quatro são referentes a uma mesma pessoa, o ex-PM Eduardo Alexandre Miquelino, preso em 2015, que responde a dez ações penais, no total.
Embora capte um retrato de seis anos de investigações, em sua maioria arquivadas, a pesquisa trata do perfil de jurados que decidem, ao fim dos processos, se os policiais serão condenados ou absolvidos pelas mortes.
Embora não tenha feito uma análise qualitativa de todos os inquéritos arquivados, Débora diz que muitos dos casos são entendidos como legítima defesa pela falta de outros indícios. “É aquilo que a gente ouve bastante, da versão policial. E tem só a versão policial, não há outros elementos que possam afastar essa versão.”
Para ela, a pesquisa ajudou a acrescentar mais nuances à atuação de órgãos de controle externo como o Ministério Público. “A princípio, não seria algo como o Ministério Público simplesmente sendo conivente. Acho que dá para afastar um pouco dessa visão, apesar de haver sim promotores que são coniventes com violência e que fazem manifestações bastante pesadas a respeito das situações de confronto.”
A pesquisadora também vê o crescimento de um argumento, em meio à difusão de vídeos que flagram ações de violência policial, de legítima defesa do tipo putativa, ou seja, quando o agente imagina estar em uma situação de risco.
“Os advogados usam para dizer que eles [os agentes] acreditavam que existia uma situação de ameaça iminente contra eles ou contra terceiros, então agiram como se fosse uma situação de legítima defesa.” Isso vale, por exemplo, para contestar vídeos e justificar que, do ponto de vista do policial, havia perigo iminente.
Presença de policiais constrange jurados
A pesquisadora defende mais controle judicial das sessões de júri. Um exemplo é a ampla presença de policiais nas salas, que, como ela apurou em questionários, podem constranger os jurados ou fazê-los se sentir expostos e sob risco de identificação ou de retaliações. Apesar disso, Débora descarta correlações diretas do fator com a absolvição ou a condenação.
Essa presença tende a ser maior e mais frequente em casos com margem para a argumentação de legítima defesa. Já situações como a do soldado Luan Felipe Alves Pereira, 29, preso por ter jogado um homem de uma ponte, têm outro tratamento.
“Até o [secretário da Segurança Guilherme] Derrite entendeu que não dá para defender. É o tipo de caso para ser usado de exemplo. ‘Olha como a gente é rígido com quem age fora dos procedimentos’.”
Informações obtidas pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que os dois últimos anos têm registrado patamares menores de entrada de policiais no Presídio Militar Romão Gomes, onde estão presos preventivamente, inclusive, Pereira e o soldado Vinicius de Lima Britto, preso na noite de quinta-feira (5) após matar um homem negro com 11 tiros pelas costas.
Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lembra que “mais de 90% dos casos de letalidade policial são arquivados pela promotoria do Ministério Público, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro”, segundo um estudo da entidade.
Para ele, a maior parte do problema está na apuração conduzida pela Polícia Civil, que tende a registrar as ocorrências de forma a favorecer as versões dos policiais e prejudicando o resto do processo, e também no arquivamento, ainda que haja indícios, pelas promotorias.
A falta de punição, diz Dennis, estimula uma expectativa de que a polícia aja de forma violenta, o que ocorre principalmente contra pessoas negras. “Quando essa trajetória encontra um governador que usa a violência policial como plataforma político-eleitoral, o resultado é esse cenário trágico, revoltante, lamentável de extrema brutalidade policial que a gente.”
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