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Vítimas de minas da Braskem se sentem intimidadas por mensagem

Associação de Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió entrou com queixa-crime, subsidiária à ação do MP contra Braskem, mas não foi aceita
06/12/2023 | 05h00

Por Heloísa Villela

Não bastasse a tensão permanente dos moradores e comerciantes de áreas ameaçadas de afundamento pelas minas da Braskem, em Maceió, uma mensagem que circulou no sábado (2) aumentou a apreensão de todos.

Durante uma reunião de várias entidades no sábado, marcada para acertar detalhes de uma manifestação nesta quarta-feira contra os crimes da mineradora Braskem, as lideranças do movimento de moradores tiveram acesso ao print abaixo, de uma postagem que foi considerada uma ameaça de morte::

O texto afirma que Alexandre Sampaio, o presidente da Associação de Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió, havia sido encontrado morto em um canavial. E a mensagem termina com um recado assustador. “Aguardem”, diz.

Alexandre não foi assassinado, mas denunciou a ameaça. Fez imediatamente um boletim de ocorrência na Polícia Civil de Maceió. Ele deixou a reunião mais cedo porque tinha compromissos profissionais. Poucas horas depois, o telefone não parava de tocar.

Assustados, todos buscavam informações. Alexandre e os líderes do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem lutam há cinco anos por indenizações justas para o maior desastre socioambiental em área urbana do mundo, causado pela Braskem durante a extração de sal-gema sob o solo de Maceió.

Em 2018, o município registrou um terremoto, várias casas racharam e mais de 60 mil pessoas tiveram que deixar suas casas. No fim de semana passado, a terra tremeu novamente. Foram vários abalos, e a empresa informou à Defesa Civil que a mina de número 18, sob as águas da Lagoa Mundaú, poderia entrar em colapso a qualquer momento.

Depois de tantos anos de luta e da falta de apoio das autoridades, Alexandre e muitos moradores desconfiam das informações da empresa. No comunicado à Defesa Civil, a Braskem avisou que a mina poderia desmoronar às 16 horas e 45 minutos da quarta-feira passada, dia 29. Depois mudou o horário do desastre iminente para as 6 da manhã de quinta. Até o momento, o desastre iminente não se concretizou. Mas um juiz de plantão deu ordem à polícia para retirar à força os moradores que ainda estavam em áreas consideradas de risco ou próximas demais dessas regiões.

A população de Maceió trata com desconfiança todas as autoridades do meio político e jurídico. Desde o terremoto de 2018, não conseguiu o apoio que buscava junto ao Executivo, ao Legislativo ou ao judiciário. O Ministério Público Federal fechou acordo com a Braskem para o pagamento de indenizações às famílias que tiveram que se mudar às pressas, no meio da pandemia. Mas a indenização é considerada insuficiente. Não restitui o que elas perderam.

Em 2020, a organização que Alexandre preside fez um acordo com o então candidato a prefeito, João Henrique Caldas, conhecido na cidade como JHC. Através desse acordo, a organização conseguiu abrir um canal de negociação com a Braskem sobre o ressarcimento pelos negócios perdidos, para indenizar trabalhadores que perderam emprego, entre outras demandas. Segundo Alexandre, a proposta que a empresa apresentou era 30 vezes menor do que o montante que a organização exigia. E o prefeito, já eleito, abandonou as promessas de apoio aos moradores.

A reunião que marcou o fim da aliança criada antes da eleição foi tensa. Alexandre conta que o prefeito exigiu um encontro a portas fechadas. Retirou da sala os jornalistas e até mesmo o assessor de imprensa da associação. Nesse encontro, Alexandre conta que foi ameaçado na frente do prefeito, do diretor da Defesa Civil e do representante do procurador do município.

Alexandre Sampaio, presidente da Associação de Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió

Agora, diante da mensagem ameaçadora, fez o boletim de ocorrência e pensou muito antes de trazer a denúncia a público. Mas chegou à conclusão que denunciar a ameaça ainda é a melhor defesa. A arquiteta Isadora Padilha, que mostrou o print com a ameaça a representantes do movimento de moradores, disse ter recebido o print do marido que viu o recado em um grupo do qual faz parte. Mas ela não informou quem enviou a mensagem e disse se tratar de uma “brincadeira”.

À reportagem do ICL Notícias Isadora Padilha disse que também entrou em pânico quando recebeu do marido o print com o que parecia ser uma ameaça de morte. Imediatamente chamou outros representantes do movimento de moradores e enquanto eles tentavam encontrar Alexandre, ela tentava falar com o marido para saber a origem do recado. Ela disse ao ICL que a mensagem veio de uma conhecida do marido, que é do Rio de Janeiro mas mora em Maceió. Uma senhora que fez uma “brincadeira infeliz”. Esta senhora, chamada Adriana, teria insinuado que Alagoas é uma terra de matadores e que por isso Alexandre corria risco.

Isadora prometeu colocar a reportagem do ICL em contato com Adriana, mas até o momento não repassou o telefone de contato da autora do print. Ela achou melhor não passar o nome e o telefone de Adriana para os outros membros da Associação de moradores ou para Alexandre. Como agora existe um BO na delegacia, é possível que a polícia entre em contato com a autora do recado.

Desastre socioambiental

A associação que Alexandre preside entrou com queixa-crime, subsidiária à ação do Ministério Público, contra a Braskem, o Instituto de Meio Ambiente de Alagoas, da Agência Nacional de Mineração e o Banco de Desenvolvimento Econômico e Social, entidades que a Associação considera responsáveis, por ação ou omissão, pelo desastre socioambiental.

O Ministério Público Federal de Alagoas instaurou um inquérito policial para investigar possíveis crimes cometidos pela Braskem. Mas, segundo consultas da associação, depois de quatro anos o inquérito da PF não andou. Não houve investigação, quebra de sigilo, nada. Mas o Ministério Público argumentou que é preciso esperar o resultado do inquérito e julgou que a associação não tem legitimidade para apresentar a queixa-crime.

Quatro procuradoras da República assinam a decisão. Uma delas é Roberta Lima Barros Bonfim, casada com Thiago Bonfim, sócio do escritório de advocacia BJLL do qual também são sócios Felipe Lins, chefe de gabinete da Prefeitura de Maceió, e João Luis Lobo, que representou a Prefeitura no acordo fechado com a Braskem, este ano, no valor de R$ 1,7 bilhão.

Um acerto que o senador alagoano Renan Calheiros chama de anistia. “Não dá para chamar de acordo, foi anistia mesmo, porque deu quitação plena à Prefeitura e entregou à empresa os terrenos dos bairros afetados, com ruas, praças e logradouros, para que possa ser usado pela Braskem inclusive no mercado imobiliário”.

Ou seja, a responsável pelo desastre, pela expulsão de mais de 60 mil pessoas de suas casas e da desarticulação de várias comunidades do município, sem falar no afundamento do solo, recebeu toda a área afetada.

“E o prefeito ainda estabeleceu uma regra criminosa que nenhum prefeito que venha depois possa reabrir qualquer questão, reivindicar qualquer direito de quem quer que seja junto à Braskem. Isto está para ser homologado na primeira instância. Mas existem contestações em todos os lugares. Nesta semana mesmo o Conselho Nacional de Justiça decidiu dedicar grau máximo de observação aos fatos de Alagoas, como está fazendo com os problemas ambientais de Minas Gerais”, disse Renan Calheiros.

Nesta terça-feira, o presidente em exercício Geraldo Alckmin receberá, em Brasília, a bancada de deputados e senadores alagoanos para discutir a situação de Maceió e o risco iminente de desastre nas minas de sal-gema da Braskem.

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