Por Rita Serrano*
Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado um crescimento vertiginoso no mercado de apostas esportivas, as chamadas “bets”. Prometendo ganhos fáceis e rápidos, essas plataformas têm atraído milhões de pessoas, mas também trazido consigo uma série de problemas sociais e econômicos.
O vício em jogos tem se tornado uma preocupação crescente, com casos de famílias destruídas, dívidas impagáveis e, em alguns casos extremos, levando até mesmo ao suicídio. A falta de regulamentação adequada e o controle frágil sobre essas operações aumentam o risco, fazendo com que o problema se torne uma questão de saúde pública.
As bets, ainda levantam questionamentos quanto a casos de lavagem de dinheiro, de um mercado que beneficia multinacionais da área de jogos e que inclusive transferem divisas desses recursos para o exterior. Nesse sentido, o Instituto Conhecimento Liberta (ICL) iniciou, em 23/08, uma importante campanha com o objetivo de combater as propagandas de casas de apostas online realizadas por influenciadores digitais e outros famosos.
Ao contrário das bets, as Loterias Federais administradas pela Caixa, representam um modelo de jogo com responsabilidade social. Com controle estatal rigoroso, quase metade da arrecadação é destinada ao desenvolvimento do país, garantindo que o dinheiro volte para a sociedade de forma transparente, íntegra e com segurança.
Em 2023 as loterias da Caixa arrecadaram 23,4 Bi, desse montante, foram repassados ao governo R$ 11 bilhões (48%), maior valor da histórica da Caixa, que se concretiza em investimentos no fomento a instituições esportivas, no financiamento estudantil por meio do FIES, em fundos de apoio à cultura, saúde e de apoio a crianças e adolescentes. Além disso milhares de empregos diretos são gerados através da rede lotérica, que está presente em 98% dos municípios brasileiros. As 13.295 unidades lotéricas da Caixa fazem parte do dia a dia do brasileiro.
A história da Caixa e das loterias se confundem. Quando o banco foi fundado, em 1861, o capital inicial veio justamente das loterias, na época de modelo assistencial.
As Loterias da Caixa nos últimos anos foram alvo de interesses privados. Começou em 2016, no governo Temer, com a Loteria Instantânea (raspadinha). A modalidade foi excluída da administração da Caixa para ser colocada em leilão. O consórcio internacional vencedor nunca colocou o jogo no mercado e desistiu da operação anos depois, causando perdas de arrecadação para o governo.
Em 2020, como conselheira de administração, fui contra as propostas do governo Bolsonaro para transferir as loterias federais para a subsidiária Caixa Loterias, criada com o objetivo de abrir o capital e entregar a gestão para a iniciativa privada. Como presidenta em 2023, atuei para consolidar a administração das operações pela Caixa, incluindo o retorno da raspadinha, como definido pelo Ministério da Fazenda em meados do ano passado. Meu propósito era fechar a subsidiária, mas infelizmente a gestão atual aprovou retomar o mesmo projeto de 2020 e transferir os jogos para a empresa.
Não há dúvidas, somente o controle estatal garante não apenas a credibilidade dos jogos, mas também a destinação correta dos recursos: as Loterias da Caixa têm um papel social importante e não podem ser equiparadas às apostas que exploram o vício. Precisamos proteger esse patrimônio que, além de contribuir para o desenvolvimento do país, é uma fonte de recursos para áreas essenciais.
Por outro lado, a proliferação das “bets” é um alerta para a necessidade de um debate mais amplo sobre o impacto nefasto que esse modelo de apostas pode ter na sociedade. Será que a justificativa de arrecadação de tributos é válida se considerarmos as consequências para a saúde, empobrecimento, e todo tido de malversação dos recursos que essas modalidades trazem consigo?
Rita Serrano — Palestrante. Ex-presidente da Caixa. Autora de vários livros e artigos. Conselheira de Administração. Mestre em Administração. Considerada uma das mulheres mais influentes do Brasil e da América Latina, segundo a Bloomberg Línea de 2023.
* Ex- presidente da Caixa Econômica Federal
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