ouça este conteúdo
|
readme
|
Por Paulo Batistella – Ponte Jornalismo
A Frente Povo Negro Vivo, composta por mais de 100 entidades em defesa da população negra e dos direitos humanos, realizou nesta sexta-feira (21/3), Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, um ato contra a violência policial e de Estado em São Paulo. O movimento pede a demissão imediata de Guilherme Derrite, o secretário de Segurança Pública no governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A manifestação ocorreu em frente à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Centro da capital paulista, iniciada por volta das 17h40 com falas de militantes históricos do movimento negro. O Largo São Francisco, onde está situada a universidade, é vizinho à sede da Secretaria de Segurança Pública estadual (SSP-SP).
“Estamos aqui para que a população negra siga vivendo, para lutar pelo direito à vida. Estamos ao lado da Secretaria de Segurança Pública, que de segurança pública não tem nada. A segurança pública nesse país é pensada a partir das polícias para a defesa do patrimônio das elites. Estamos aqui lutando por uma segurança pública cidadã, em que todo cidadão seja uma pessoa de direitos”, disse Regina Lúcia dos Santos, coordenadora estadual do Movimento Negro Unificado (MNU), ao iniciar o ato acompanhada de Milton Barbosa, também líder da entidade e reverenciado entre militantes negros.
“Estamos aqui em um espaço de Luiz Gama”, disse Miltão, como é conhecido, sobre o simbolismo da Faculdade de Direito.

“Estamos lutando por uma segurança pública em que todo cidadão seja uma pessoa de direitos”, disse Regina Lúcia dos Santos, coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU) | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
Gritos de ‘fora, Derrite’
Entre ativistas mais novos, o ex-ouvidor da Polícia Militar paulista (PM-SP) Claudinho Silva também puxou coro de críticas ao governo estadual: “Derrite e Tarcisio tentam estabelecer um laboratório da morte daqueles que são desumanizados em razão de sua cor e do local em que vivem. Derrite e Tarcísio não têm compromisso com a vida e sequer com os policiais que colocam nas periferias para nos matar”, afirmou, defendendo ainda a federalização das investigações sobre as mortes na operação Escudo.
Encerradas as falas em frente à faculdade, o ato ocupou parte da rua em frente ao largo, por volta das 19h30, e caminhou em direção à SSP-SP, sob gritos de ordem dos manifestantes: “Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar”. Eles também entoaram um coro de “fora, Derrite” contra o secretário. A sede da pasta estava isolada por viaturas da PM-SP e por policiais ali posicionados, que não interagiram com o público do ato.
Em frente à SSP-SP, houve novos discursos. Uma das falas veio da vereadora de São Paulo Luana Alves (PSOL), que lembrou do caso de Lucas Almeida, jovem negro de 26 anos que foi executado pela PM em Barueri, na Grande São Paulo, no último sábado (15), à beira da Rodovia Castello Branco, em ação testemunhada e filmada por motoristas. “Isso já deveria ser o suficiente para derrubar o secretário”, disse a parlamentar.
Os últimos discursos vieram de Sandra de Jesus Barbosa da Silva e Deuza Cordeiro de Lima, mãe e tia, respectivamente, de Luiz Fernando Alves de Jesus e Thiago Gomes da Silva Lima Cordeiro, jovens mortos pela PM em casos já relatados pela Ponte.
“A ordem de matar os nossos jovens vem daqui. Temos um secretário e um governador assassinos, que assinam essas mortes”, disse Sandra. “Não consigo entender essa Justiça que só funciona para colarinho branco e para a elite”, afirmou Deuza.

A Frente protocolou na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) na mesma sexta-feira (21/3) um pedido de impeachment de Tarcísio e Derrite | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
Demissão de Derrite
A frente atribui o aumento da letalidade policial no estado, expressão do genocídio da população negra em curso também no restante do país, à gestão de Derrite — capitão reformado da Polícia Militar e ex-integrante da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), a unidade que mais mata em São Paulo — e ao governador.
Do início do governo Tarcísio ao último mês de janeiro, período em que Derrite esteve à frente da SSP-SP, 851 das 1.355 pessoas mortas pelas forças de segurança no estado eram negras: ou seja, mais de seis de cada dez casos foram contra pardos ou pretos (62,8%) — proporção que destoa da distribuição étnico-racial de São Paulo, em que 41% da população é negra e a maioria (57,8%) é branca.
“Os dados evidenciam que a violência policial não é um fenômeno isolado ou acidental, mas sim parte de um padrão estrutural de discriminação e violência racial”, escreve a Frente Povo Negro Vivo em um manifesto lançado às vésperas do ato. “É urgente uma gestão do governo do Estado de São Paulo comprometida com a garantia de direitos humanos e combate ao racismo para que seja possível reverter o atual modelo a crise de segurança pública no estado”, aponta ainda.
Em razão da cobrança por responsabilização de Derrite e Tarcísio, a Frente Povo Negro Vivo protocolou na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), também nesta sexta, um pedido de impeachment de ambos.

Manifestantes pediram a desmilitarização das polícias brasileiras | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
Responsabilização de Tarcísio
Em conversa com a Ponte na véspera do ato, Regina, do MNU, disse reconhecer que a demissão do secretário é uma decisão mais simples, que depende apenas de vontade política do governador. “Nunca tivemos um secretário tão flagrantemente a favor da morte como forma de ação. Já antes de ser secretário, ele se regozijava ao falar que policial tem que matar. Para ele, o modus operandi da segurança pública contra a população negra, pobre e periférica é a violência, a tortura, a morte”, diz.
A frente também cobra do governo paulista o uso de câmeras corporais com gravação ininterrupta por policiais. No ano passado, após sofrer desgaste público em razão do caso de um rapaz jogado por PMs de cima de uma ponte, Tarcísio disse ter mudado de opinião e ser favorável aos aparelhos, mas, em um processo em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), defende o fim do atual modelo de gravação e alega que a ampliação do programa de câmeras esbarra em restrições orçamentárias.
“Aquilo foi só um verniz do governador por conta da comoção pública, mas ele segue sustentando essa política de segurança pública e mantém o Derrite. O governador precisa mudar, de verdade, os paradigmas da segurança pública, assumir que ela não pode ser uma segurança de guerra, onde os órgãos de Estado têm um inimigo. A segurança pública cidadã precisa levar em conta a segurança de todos os cidadãos, ter uma política de investigação, de abordagens mais seguras”, diz Regina.

Ativistas criticaram modelo de segurança pública nacional baseado no confronto e no genocídio da população negra, em vigor mesmo em estados como o da Bahia, governado pelo PT | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
Genocídio da população negra
A ativista contextualiza ainda que esse modelo de segurança pública que coloca a população negra como inimiga não se restringe a São Paulo, citando a situação da Bahia como exemplo, governada por Jerônimo Rodrigues (PT) e onde as polícias mais matam no país. Por conta disso, a Frente Povo Negro Unido também cobra do governo Lula (PT) que direcione incentivos para políticas de controle interno e externo das forças policiais e também para protocolos de mediação de conflitos e resoluções conciliatórias.
Além disso, reivindica do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que aprove uma resolução para adequar o controle da atividade policial ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. “Os números mostram que o Brasil está em guerra, apesar de não declarada. Há um genocídio contra a população negra. As mortes pela violência policial têm números de guerra. E quem morre tem cor, endereço, CEP: é a população negra, pobre e periférica”, diz Regina.
Relacionados
PM prende mãe, irmão e amiga de jovem morto na Favela da Bratac, em Londrina (PR)
Familiares e uma amiga de Wender Bueno, morto em abordagem da PM no dia 15/2, tiveram que pagar fiança
Deputado faz representação contra Tarcísio e Derrite após morte de jovem em Barueri
Documento pede o afastamento de Derrite do cargo de Secretário de Segurança Pública e a prisão dos policiais envolvidos
Mortes por policiais crescem 61% em SP em 2024, mas PM faz menos apurações
Instituto Sou da Paz questiona falta de compartilhamento de dados pela PM-SP