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Meio Ambiente

Multinacional europeia deixa de comprar da Vale por caso de contaminação de rio

Mina Onça Puma, no Pará, é apontada por pesquisadores e indígenas da Terra Indígena Xikrin do Rio Cateté como responsável pela contaminação do curso d’água por metais pesados
18/12/2024 | 05h00

Por Murilo Pajolla — Repórter Brasil

A Siderúrgica Finlandesa Outokumpu deixou de comprar níquel da mina Onça Puma, administrada por uma subsidiária da mineradora Vale na região da Serra dos Carajás, no Sudeste Paraense. O fim da parceria comercial se deu em função das suspeitas de contaminação do rio Cateté por metais pesados. O curso d’água banha a Terra Indígena Xikrin do Rio Cateté, em Parauapebas, no Pará.

O fim dos laços comerciais é apontado no relatório “Em busca de justiça — relatório de monitoramento dos impactos da cadeia de valor da Outokumpu nos direitos humanos no Pará, Brasil” (em tradução livre do finlandês). O documento foi lançado no dia 3 de dezembro pela organização finlandesa Finnwatch, com apoio da Repórter Brasil. A Finnwatch monitora violações de direitos humanos em cadeias produtivas globais.

Em 2021, a Repórter Brasil e a Finnwatch publicaram uma investigação sobre os impactos socioambientais causados pelo empreendimento sobre os indígenas Xikrin. Entre os mais graves estão a contaminação do rio Cateté por metais pesados, que perdura até hoje, segundo indígenas e pesquisadores.

“A Outokumpu fez mudanças significativas no seu trabalho de responsabilidade em matéria de direitos humanos”, declarou Sonja Finér, diretora-executiva da Finnwatch. Para a organização, a estatal finlandesa implementou processos sistemáticos de responsabilidade socioambiental. Finér ainda destacou que “a Vale também deu passos adiante nesse sentido”.

Outras multinacionais europeias e asiáticas do setor de metais e siderurgia não seguiram o exemplo da Outokumpu e continuam comprando níquel da mina.

Em resposta ao relatório, a Vale nega ser responsável pela contaminação do rio Cateté, atribuindo à poluição a “mineralização natural” da região e ao despejo de agrotóxicos. A Vale Base Metals (VBM), subsidiária da Vale responsável pela mina, também declarou que considera a sua relação com os xikrins “saudável” e que acredita que esse sentimento é mútuo. Leia as respostas das empresas e relatório completo aqui.

Liga metálica abastece mercado global

Localizada no município de Ourilândia do Norte (PA), a mina Onça Puma produz níquel, usado para produção de aço inoxidável e baterias recarregáveis. A operação é controlada pela VBM, subsidiária da mineradora brasileira focada na produção de níquel e cobre. Entre os compradores da mina em 2023 estiveram multinacionais de países como Itália, Suécia, Grã-Bretanha, França e China.

Os Xikrin culpam a Vale pela contaminação por metais pesados do rio Cateté. O curso d’água já foi usado pelos cerca de 2 mil indígenas para consumo de água e pesca — o que já não acontece mais, segundo moradores.

Em 2021, a organização Finnwatch, com apoio da Repórter Brasil, investigou os impactos socioambientais causados pela mina Onça Puma, operada por uma subsidiária da Vale. Em 2023, as organizações estiveram no território novamente (Foto: Maurício Monteiro Filho/Repórter Brasil)

“O rio está morto”, afirmou sob anonimato um indígena Xikrin ouvido para o relatório. “O rio era onde a gente bebia, pegava água e peixe para comer. Agora [por causa da poluição] não temos mais nada e não podemos fazer mais nada [no rio]”.

A batalha jurídica que envolve os Xikrin e a Vale se arrasta desde ao menos 2011. No início, os indígenas apontavam a falta de participação no processo de licenciamento ambiental da mina. Acordos judiciais garantiram pagamento de indenizações aos habitantes originários e resultaram no arquivamento das ações civis públicas. Uma ação judicial que Vale a papel do Vale no rio Cateté, porém, segue aberta.

Para a Finnwatch, a Vale e VBM devem cumprir com os princípios da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre empresas e direitos humanos, além de identificar e desenvolver políticas para gerenciar questões relacionadas a esse tema.

Pesquisadores contestam Vale

Para o Grupo de Tratamento de Minérios, Energia e Meio Ambiente (GTEMA), da Universidade Federal do Pará (UFPA), “não se tem mais dúvidas quanto à responsabilidade do empreendimento Onça Puma na contribuição para a contaminação do Rio Cateté”.

Em estudo realizado em 2020, os pesquisadores da UFPA constataram que “100% dos indivíduos estão com seus organismos contaminados com pelo menos um metal pesado, em grau alarmante. Destaca-se o excesso de chumbo, mercúrio, manganês, alumínio e ferro, os quais em alguns indivíduos, estão em níveis assustadores”.

A Vale se baseia em um relatório encomendado pela Justiça em 2017 para argumentar que não foi possível estabelecer um nexo causal direto entre a mina e a poluição do rio.

A empresa diz ainda que monitora a qualidade da água no rio Cateté desde 2005 e admitiu que algumas medições indicaram concentrações de poluentes acima dos limites legais, mas atribuiu o fato às características minerais naturais da região.

Mudanças em modos de vida tradicionais

Com o rio contaminado, os relatos locais colhidos pela Repórter Brasil e pela Finnwatch apontam que os indígenas foram forçados a abandonar práticas tradicionais de pesca e caça, tornando-se dependentes de compensações financeiras da Vale para comprar alimentos industrializados. A mudança resultou no aumento da obesidade e da diabetes.

A Finnwatch recomendou que a Vale implemente a limpeza do rio Cateté com a participação ativa dos Xikrin e que melhore seus processos de consulta e transparência. Também reforçou serem necessários estudos complementares para constatar a causa da poluição do rio Cateté.

Organização reconhece mudanças da Vale

A organização finlandesa também reconheceu avanços na postura da Vale desde 2021, quando os impactos socioambientais foram revelados. “Em 2021, a Vale se recusou a comentar o conflito à Finnwatch. Agora, iniciou um longo diálogo conosco. Esperamos que o aumento da transparência da empresa e a ativação dos seus clientes ajudem a resolver as questões que afetam o destino dos Xikrin”, disse Sonja Finér.

O relatório também cobra ações mais efetivas do governo brasileiro na proteção dos direitos indígenas e maior engajamento da comunidade internacional na denúncia de abusos e na preservação do território e do modo de vida dos Xikrin.

“Os clientes da empresa devem incentivar a Vale/VBM a tomar medidas ativas para melhorar o Meio Ambiente e prevenir a poluição futura, e exigir relatórios públicos transparentes e compreensíveis sobre as medidas”, defendeu a Finnwatch.

 

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