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Xico Sá

Escritor e jornalista, faz parte da equipe de apresentadores do ICL Notícias. Com passagem por diversas redações e emissoras de tv, ganhou os prêmios Esso, Folha, Abril e Comunique-se. Participou de programas como Notícias MTV, Cartão Verde (Cultura), Redação Sportv, Papo de Segunda (GNT) e Amor & Sexo (Globo). É autor de Big Jato (Companhia das Letras) e A Falta (Planeta), entre outros livros. O colunista nasceu no Crato, na região do Cariri cearense, e iniciou sua trajetória profissional no Recife.

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Na cola de Sílvio Santos, em sua aventura presidencial

A candidatura do homem do Baú deixou Roberto Marinho, aliado de Collor, furioso; testemunhei como repórter todo aquele fuzuê
17/08/2024 | 11h42

Ele largou uma gravação do quadro “Tudo por dinheiro”, nos estúdios do SBT, em São Paulo, e surgiu em Brasília, há duas semanas da eleição de 1989, como candidato à Presidência da República.

Medo & delírio no Planalto Central do país. Tempestade no deserto do centro-oeste.

Aos 58 anos, o maior comunicador da TV brasileira, com 150 milhões de dólares de reserva no patrimônio, disputaria o cargo no lugar de Armando Corrêa, concorrente nanico do também pequeno Partido Municipalista Nacional — ele renunciou para que o homem do “Baú da Felicidade” pudesse sonhar com a chefia do Brasil.

Quanto o Armando levou nessa? Era a grande pergunta em todos os corredores. E Armando, mais sorridente do que o próprio Sílvio, dizia, com todo cinismo do mundo, que não armara nada. “Jogo limpo da política”, pronunciava.

Repórter de Veja, inocente, puro e besta, recém-chegado do Recife em Brasília, fui escalado para a cobertura. De repente me vejo diante do homem do Baú. Em vez de perguntas, dever elementar de um repórter, fiquei cantando, baixinho, mais uma do Raul:

“Não é que eu vi o Sílvio Santos
Não é que eu vi o Sílvio Santos
Sorrindo aquele riso franco e puro
Para um filme de terror…”

A reviravolta na eleição — a primeira depois de um longo período de Ditadura — foi imediata. Tanto a esquerda, com Lula e Brizola, quanto a direita, com Fernando Collor, protestaram contra o intruso.

Doutor Roberto Marinho, proprietário das Organizações Globo, ficou furioso.

“Marinho mandou que uma equipe de reportagem da Globo transmitisse a Collor o recado de que precisava se comunicar com ele com urgência. De Manaus, Collor falou pelo telefone com Roberto Marinho, que o aconselhou a colocar Silvio Santos e Sarney no mesmo saco, atacando os dois com firmeza”, conta o jornalista Mario Sergio Conti no livro “Notícias do Planalto”.

Teleguiado, Collor obedeceu, óbvio. Virou a noite cumprindo a pauta de gravações no hotel Tropical, na capital do Amazonas.

Pesquisas de intenção de votos indicavam que apresentador poderia conquistar uma vaga no segundo turno da corrida presidencial. Antes da renúncia de Corrêa, Sílvio havia tentado substituir o pretendente do PFL, Aureliano Chaves. O político mineiro, porém, recusou a manobra.

O comunicador da “Porta da Esperança” chegou a divulgar a publicidade de campanha, com um jingle com a mesma melodia da música de abertura do seu programa na televisão: “Sílvio Santos vem aí…”. Reforçava ao eleitor que o importante seria votar no número 26, pois não haveria tempo hábil para colocar seu nome na cédula — o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) já estava com todo o material de votação impresso e lá constava ainda o candidato Armando Corrêa.

A seis dias da eleição, em 9 de novembro, o TSE acabou com o desejo do apresentador, por um placar de 7 votos a 0. Segundo os ministros do tribunal, o PMN não havia realizado convenções regionais (em pelo menos nove estados) para aprovação da candidatura, como previa a lei.

No livro “Sonho sequestrado: Silvio Santos e a campanha presidencial de 1989”, de autoria do deputado federal Marcondes Gadelha, candidato a vice-presidente na chapa de SS, o comunicador refletiu, em 2020, sobre a aventura: “Hoje, com 90 anos, me pergunto se teria sido bom para mim, para a minha família, para a minha televisão e para as pessoas que gostam de mim ter colocado a faixa verde e amarela que estampa a capa deste excelente livro. Sei, porém, que teria sido bom para a causa. E isso me basta. O desafio, então, estava aceito em qualquer circunstância.”

Sem o rei do auditório no páreo, Fernando Collor disputou o segundo turno com Lula da Silva, sendo eleito o primeiro presidente da fase da redemocratização. Mesmo com apenas duas semanas de uma campanha tumultuada, a possibilidade de ter Sílvio como presidente chacoalhou parte do eleitorado, mas também divertiu muitos brasileiros. Rendeu uma farta safra de piadas de boteco — os memes possíveis à época.

O misterioso locutor Lombardi, por exemplo, era dado como certo para o cargo de porta-voz do Palácio do Planalto. O ator e comediante Pedro de Lara, que fazia o tipo carrasco do júri do programa, era apontado como provável ministro da Justiça.

Pequenas lorotas para uma grande armação política que não teve êxito. Para a sorte de Sílvio Santos ou do Brasil? Pior do que Collor, o candidato da Globo, o homem do Baú da Felicidade certamente não seria.

 

SAIBA MAIS:

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