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Juliana Dal Piva

Formada pela UFSC com mestrado no CPDOC da FGV-Rio. Foi repórter especial do jornal O Globo e colunista do portal UOL. É apresentadora do podcast "A vida secreta do Jair" e autora do livro "O negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro", da editora Zahar, finalista do prêmio Jabuti de 2023.

‘Não conseguimos levá-los a tempo’, desabafa profissional do hospital de Canoas

Profissional do Hospital de Canoas conta com exclusividade como foram os horas de angústia aguardando resgate
08/05/2024 | 20h17

Os profissionais de saúde do Hospital Pronto Socorro de Canoas viveram um dia de terror ao longo do último sábado (4). Um deles concordou em conceder um depoimento, sob a condição de ficar anônimo, contando como foram as angustiantes horas aguardando o socorro que demorou demais para chegar colocando a vida de todos em risco.

No dia 4 de maio, fui para um plantão na sala vermelha do HPS de Canoas, esperando os mais variados casos, como de praxe no departamento de emergência. 

O estado já vinha enfrentando fortes chuvas e vários municípios já estavam debaixo d’água, mas os alertas emitidos para o hospital de Canoas foram ignorados pela gestão local.

Durante a noite, o plantão seguia seu curso normal, quando a água começou a dar as caras na rua em frente ao prédio. Começaram então os rumores de que a água aumentaria até chegar no prédio, junto com o boato de que os pacientes seriam retirados de lá durante a noite para a evacuação do prédio.

Por volta das cinco horas da manhã, fomos informados pela direção do hospital que ainda não tinha sido autorizada a transferência dos pacientes.

Só uma hora depois disso, os pacientes da UTI do segundo andar foram trazidos à sala vermelha com o intuito de serem transferidos aos hospitais mais próximos. Esse resgate, porém, nunca chegou, mas a água sim.

O dia amanheceu e as marcas atingidas pela água foram aumentando de forma assustadora, assim como o medo de todos. Muitos moradores da região buscaram o hospital como forma de abrigo e, acreditaram, inocentemente que lá estariam protegidos, sem saber que não havia absolutamente nenhum plano de contingência estabelecido. 

A situação na unidade era caótica, não sabíamos sequer o número que pacientes, acompanhantes, profissionais da saúde e civis que estavam no prédio. Eram 10 horas da manhã e a água passou a entrar na sala vermelha sem nenhum sinal de que o resgate se aproximava.

A luz faltou, o gerador não aguentou, o oxigênio estava em nível crítico, a água continuava subindo e os pacientes, antes trazidos à sala vermelha para serem salvos, agora eram os  mais expostos. Precisamos carregá-los novamente para o segundo andar, agora sem ajuda de elevadores, pelas escadas, junto com todos os pacientes do primeiro andar e todo o material que foi possível. 

Aqui ficaram dois. Não conseguimos levá-los a tempo. Esses pacientes eram graves e tinham maior risco de óbito. Ficaram no primeiro andar porque não deu tempo de trazer até o segundo. A água já estava alta.

A demora para começar a chegar alguma forma de socorro fazia a angústia tomar conta, não havia para onde correr, fugir, e muito pouco havia para se fazer por lá. 

Ao nosso redor, além de uma quantidade incalculável de água. Pessoas em telhados gritando por socorro. Os primeiros barcos que chegaram eram de voluntários e, com eles, veio junto a escolha por quem priorizar (pacientes graves, pacientes imobilizados, pacientes que conseguissem andar, crianças…)

Com o passar do dia e a noite se aproximando, os mais graves já haviam sido resgatados, mais e mais ajuda foi chegando: Samu, bombeiros, brigada militar, todos já cientes da situação desesperadora em que o HPSC se encontrava. 

Nesse momento, tomamos a decisão de integrar o resgate. Uma decisão que não é fácil, o alívio de conseguir sair é muito pequeno. Existe também a dor de deixar alguns para trás, mesmo sabendo que os resgates continuariam. 

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