Por Bia Abramo
O cantor e um dos fundadores da banda Ira!, Marcos Valadão Ridolfi, o Nasi, está tranquilo, mesmo depois do cancelamento de três shows em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Na quarta-feira (9), a produtora 3LM Entretenimento anunciou que as apresentações que aconteceriam no Centro Cultural Scar de Jaraguá do Sul e Blumenau (SC), e em Caxias do Sul e Pelotas (RS) não vão mais ser realizadas.
O motivo foi a interrupção de um show da banda no dia 4 de abril. Quando cantava o refrão de “Rubro Zorro”, Nasi ouviu o público responder à frase “o caminho do crime o atrai” com a palavra de ordem “sem anistia [para os golpistas]”. Quando a música acabou, Nasi foi ao microfone também se posicionar. Um grupo pequeno de bolsonaristas vaiou.
Foi aí que o cantor interrompeu o show e passou um sabão nos que reclamavam de sua declaração. O ponto nevrálgico de sua fala, em tom de voz mais calmo do que usa para cantar as músicas do Ira! há mais de quatro décadas, foi que Nasi pediu para que os que chamou de reacionários e bolsonaristas saíssem do show: “Tem gente que acompanha o Ira!, mas nunca entendeu o Ira! Por favor, vão embora! Vão embora da nossa vida! Vão embora e não apareçam mais em shows, não comprem nossos discos, não apareçam mais. É um pedido que eu faço.”
O vídeo com esse trecho e as vaias dos bolsonaristas se espalhou como fogo em palha seca nas redes. Afinal, o Ira!, além de ser uma das mais importantes bandas do rock brasileiro da década de 1980, sempre foi um grupo combativo, tanto na postura de palco e na atitude punk, como pelo fato de ter estado sempre ao lado da defesa da democracia e dos direitos humanos.
Nasi e o guitarrista Edgard Scandurra, que iniciaram a sua aventura pelo underground paulistano em 1981 e são a dupla da formação mais longeva da banda (com o baixista R.Gaspa e o baterista André Jung), também cravaram sua trajetória artística com notável coerência musical e de discurso. Habitam o palco e se comunicam com o público que atravessa gerações com aquilo que se espera de uma banda de rock: contestação, alguma rebeldia e, sim, música incrível.
Nasi conversou com o ICL Notícias nesta quinta-feira (10) depois de uma boa notícia: “Fiquei ontem [9] apagando tanto comentário de bolsominion no meu direct, bloqueando, sabe? Hoje de manhã acordei, estou vendo que agora inverteu. Quem está do lado do Ira!, viu a notícia e aquela avalanche que foi ontem, e começou a também se manifestar. Pessoal tava tudo lá dentro falando: ‘tamo junto'”.
ICL Notícias — Como se deu essa reviravolta de ataques para os apoios? Algum comentário particularmente ruim? Alguma declaração de solidariedade que te tocou mais?
Olha, 80% das mensagens foram de apoio, de pessoas na rede, artistas, fãs… Agora, quem me deixou feliz em especial? Randolfe Rodrigues, por exemplo. Ele estava putaço! E se declarou, eu não sabia que ele era fã da banda desde cedo. Marcelo Rubens Paiva… Tantas pessoas que eu não vou citar os nomes pra não fazer injustiça com ninguém.
Eu acho que eu não fui mal-educado, primeiro ponto. Se eu tivesse falado “vão se foder, vão tomar no cu seus zéruela”. Mas não, eu falei que eles não entenderam nada. E que, por favor, do que depende da minha vontade, não nos consumam mais. O público ficou do meu lado. E você sabe: os caras têm uma máquina de moer gente. Não era para tomar essa proporção, mas os monstrinhos estão todos excitados, porque o líder espiritual diabólico deles vai ser preso. Estão desesperados.
Os golpistas podem até terem ficado felizes com essa meia dúzia de shows que foi cancelada. Infelizmente, porque realmente eram shows que estavam muito perto do olho do furacão, do momento em que eles estão fazendo essa campanha por essa anistia. Mas, cara, eu já passei tanta coisa na minha vida. Tudo bem, dinheiro vem, dinheiro vai, e la nave va.
Agora, as pessoas de bem, as pessoas que prezam pela democracia, estão do meu lado. Com certeza, nós estamos saindo maiores do que isso, do que entramos nessa história. Mas, repito, não era pra tudo isso.
Como começou a treta exatamente?
Foi uma coisa tão espontânea… Quem começou o “sem anistia” foi o público, não fui eu. Eu estava cantando a música “Rubro Zorro” e, para quem conhece a música, sabe que no final tem um verso em que eu canto “o caminho do crime o atrai, o caminho do crime o atrai” e o público respondia “sem anistia”. Achei aquilo poético, sacou, e eu fui junto com a galera.
Depois disso é que manifestei a minha opinião e o público veio abaixo; é bom que se diga isso, veio abaixo no bom sentido, apoiando. Foi apenas um pequeno grupinho lá, uma dúzia, que começou me hostilizar, me encher o saco. Aí, eu fiz aquele discurso que, cara, não, não foi grosseiro, eu não ofendi, não falei palavrão, não falei sobre meus sentimentos.
Infelizmente, eu não admiro esse público. Quem quiser ser público do Ira!, vai ser, vou fazer o que? Se quiser consumir nossa música pode ser, mas reacionário e fascista eu não queria usando a camiseta do Ira! nem com disco do Ira! debaixo do braço.
Rapaz, meia dúzia de bolsonaristas passaram aquela VERGONHA durante o show do IRA em Contagem. Eles vaiaram a banda após o vocalista Nasi gritar ‘Sem anistia!’: “Vão embora e não voltem mais aos nossos shows. Não comprem nossos discos. Não apareçam mais. É um pedido que faço a… pic.twitter.com/9Og4rcUXAX
— Lázaro Rosa 🇧🇷 (@lazarorosa25) April 2, 2025
Como você classificaria esse episódio de conflitos com esse público que chama de reacionário e fascista? O pior? O mais intenso?
Esse foi o pior. A gente teve um problema dessa mesma ordem no segundo turno das eleições de 2022. Desta vez, foi a tempestade perfeita, porque foi justamente na primeira semana onde se intensificaram, as pressões para anistiar os golpistas, terroristas, depredadores e o inelegível e sua casta. Isso estava muito quente, entendeu?
Se fosse em outra hora, talvez o episódio não tivesse essa repercussão. Ia ter manifestação no Rio, aquela que foi um fiasco…
Eles acham que esse assunto é um assunto que toca a população brasileira e não toca. A maioria é contra a anistia. A maior parte do povo brasileiro quer que seus políticos se debrucem sobre os verdadeiros problemas do país, que são a inflação, a diminuição do imposto de renda, a questão da reciprocidade do tarifaço, tanta coisa… E esses caras acham que a coisa mais importante do mundo é livrar o inelegível da Justiça. Então, esse foi o pior pelo contexto todo.

Edgard Scandurra e Nasi
Agora, não é o primeiro e nem será o último, no sentido que o Ira! não foge da raia. A gente não faz palestrinha, mas essa história de que artista tem que subir no palco, cantar e ir embora, isso é bem fascista.
É importante voltar a dizer que o episódio foi muito fugaz no show. Ele tomou essa proporção por causa das redes, mas o show seguiu tranquilo. Eu não expulsei ninguém do recinto, eu só falei que não gosto desse tipo de público. Se alguém vestiu a carapuça de fascista, não posso fazer nada.
Depois do show, atendi uma fila quilométrica de fãs para tirar foto, para assinar um disco, quilométrica. Fiquei, acho que, mais tempo no camarim, tirando foto, dando autógrafo, do que o show que eu fiz. E tudo tranquilo, tudo tranquilo.

O Ira! na formação atual: Edgard Scandurra (guitarra), Evaristo Pádua (bateria), Nasi (vocais) e Johnny Boy (baixo),
E o Ira! é uma banda que existe desde os tempos da redemocratização e que sempre esteve no campo progressista, ou seja, aquele de defesa do Estado de direito e dos direitos humanos. Qual é o recado que você daria para as sucessivas gerações de fã e para aqueles que entendem a banda? O que eles entenderam que os fascistas não entenderam?
Que precisamos ficar atentos para defender nossa democracia porque ela foi gravemente atentada. Por pouco, não estamos num regime de exceção. Porque é isso que, infelizmente, o autoritarismo, o fascismo, o neonazismo, tudo isso está começando a colocar a cabecinha de fora no mundo inteiro. Que fiquemos atentos e que não fujamos na hora de dar a nossa opinião.
Eles são muito ferozes em querer defender golpes e golpistas. Nós precisamos estar atentos e não podemos nos calar.
Relacionados
Shows da banda Ira! são cancelados após protestos de bolsonaristas no Sul
Local onde aconteceriam os shows informou que recebeu pedidos de cancelamento de ingressos adquiridos e desistência de patrocinadores
Vocalista do Ira! expulsa bolsonaristas durante show: ‘Não apareçam mais’
O cantor reagiu às vaias a um grito de "sem anistia" pedindo: 'Não comprem nossos discos'
Juíza bolsonarista que se opôs a máscara na pandemia é novamente aposentada
Ludmila Grilo afirma nas redes sociais que é perseguida pelo CNJ e pelo Supremo