Desde que estourou o conflito entre Israel e Hamas, após os ataques terroristas em solo israelense, no dia 7 de outubro, a imprensa brasileira cobre a guerra privilegiando um dos lados. Não é difícil identificar qual é. Basta uma leitura rápida das principais matérias sobre o assunto para entender que as autoridades de Israel são a principal fontes da mídia do Brasil.
A movimentação das tropas comandadas por Benjamin Netanyahu é contada de forma fria, quase como se tudo em Gaza não passasse de uma questão de estratégia militar, uma espécie de jogo.
Na maioria das vezes, as chamadas para as notícias da guerra começam com “Israel diz que…” ou “Exército de Israel diz que…”. Raramente se encontrará notícias começando com “Palestinos dizem que…” ou “Hamas diz que…”. A alegação é que do lado de Israel há um governo constituído, que por isso seria mais jornalísticamente confiável, enquanto em Gaza manda o Hamas, grupo extremista que se perpetua no poder desde 2006 e que pratica terrorismo.
O governo de Netanyahu, porém, promove um morticínio de civis sem paralelo nas últimas décadas e nem por isso há o reconhecimento de que autor de terrorismo de Estado. Declarações descompensadas dos integrantes do governo israelense também são outro indicador de que o ódio tomou o lugar da racionalidade na máquina estatal.
Ou alguém pode concordar com o porta-voz das Relações Exteriores de Tel Aviv, Liria Haiat, que chamou a Anistia Internacional de “organização antissemita” apenas porque apontou os crimes de guerra de Israel? Ou concordar com o presidente israelense, Isaac Herzog, que afirmou em entrevista que os civis de Gaza não são inocentes – e por isso poderiam ser mortos – porque não se insurgiram contra o domínio do Hamas.
A posição minimamente aceitável para a imprensa brasileira, tão preocupada em parecer equidistante, seria não confiar nos dois lados, ou confiar dos dois lados, com ressalvas.
Do jeito que está, o público brasileiro tem a guerra relatada apenas por uma das forças em conflito. Isso pode ser confirmado também pela quantidade de enviados pela imprensa nacional a Israel, enquanto para o lado palestino pelo que se sabe foram apenas dois jornalistas: Heloisa Villela, do ICL Notícias, – que mostrou cenas e personagens comoventes – e o colega Yan Boechat.
As distorções decorrentes dessa parcialidade são enormes. A maior delas é a pouca atenção que os veículos brasileiros dão ao massacre de civis em Gaza. Segundo as últimas contas, são 8 mil cidadãos palestinos assassinados por Israel, sendo 3.342 menores de idade.
Em sua grande maioria, as cenas dos bombardeios exibidas na TV e na internet mostra apenas prédios sendo destruídos. Raramente se vê o rosto assustado de quem sobreviveu às bombas, ou a expressão desesperada de quem carrega nos braços uma criança ensanguentada em busca de socorro.
Um exemplo entre muitos é a chamada que o site do jornal O Estado de S. Paulo exibe na manhã de hoje: “Dezenas de terroristas do Hamas são mortos em Gaza, diz exército de Israel”.
O que é mais importante, a morte de dezenas de integrantes do Hamas, ocorrida nas últimas horas, ou o extermínio de centenas de civis – inclusive crianças – causado pelos mesmos ataques?
Não é difícil responder.
Por fim, é preciso condenar fortemente a incursão terrorista do Hamas, que no dia 7 de outubro matou 1.400 israelenses, mas a imprensa não poderia deixar de destacar que os crimes de guerra de Israel vitimaram seis vezes mais palestinos e continuam em curso, sem data para terminar.
À frente dos olhos do mundo, o terror em território palestino se desenrola em um insuportável gerúndio.
Se os donos dos veículos de comunicação e os editores realmente quiserem, a imprensa pode dar contribuição muito mais significativa para que essa tragédia seja interrompida.
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