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Lindener Pareto

Professor e Historiador. Mestre e Doutor pela USP. Curador Acadêmico no Instituto Conhecimento Liberta (ICL). Apresentador do “Provocação Histórica", programa semanal de divulgação de História, Cultura e Arte nos canais do ICL.

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O bolsonarismo, a Parada e as cores nacionais

É linda a retomada das cores e da bandeira nacional pela Parada LGBTQIA+, transformando a Avenida Paulista numa festa efetivamente colorida, diversa e reivindicadora de profundas transformações sociais
03/06/2024 | 14h31

É linda a retomada das cores e da bandeira nacional pela Parada LGBTQIA+, transformando a avenida Paulista numa festa efetivamente colorida, diversa e reivindicadora de profundas transformações sociais.

Como já sabemos há tempos, a Revolução que tanto reivindicamos vem da luta das mulheres, do luta unificada do Movimento Negro e da História de resistência do Movimento LGBTQIA+.

Com efeito, exatamente os grupos sociais cujas causas foram cruelmente atacadas pelo bolsonarismo. Mesmo bolsonarismo que, num estratagema comum do nacionalismo doentio desde o século 19, usa o discurso de “uma só nação”, “uma única bandeira”, “um só povo”, slogans levados ao extremo pelo Nazismo de Hitler e que, com algumas ressignificações, levou Bolsonaro e seus asseclas ao uso do termo “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”.

Quem conhece a história tantas vezes doentia do nacionalismo, sabe que ele é uma doença difícil de ser combatida. Afinal, é uma invenção recente das sociedades ocidentais que, entre outras causas, substituíram o sentimento religioso pelo nacionalismo exacerbado, acreditando numa unidade artificial, que supostamente nos conecta a todos.

Em outras palavras, a ideia de que somos uma unidade nacional, costurada por uma legislação, por uma língua, por um hino e uma bandeira, é algo recente entre nós e, ao fim e ao cabo, sempre serviu aos interesses de quem comanda esse novo tipo de Estado. Não seríamos mais um Estado Absolutista (um rei com poder divino governando em nome de Deus), mas um Estado liberal democrático cuja soberania reside no povo.

Contudo, já percebemos depois de 200 anos que o projeto nacional e nacionalista serviu aos interesses dos novos senhores da guerra, levando a todo tipo de imperialismo e colonialismo que vai da catástrofe da Primeira Guerra Mundial (1914–1918) ao Genocídio contra o povo de Gaza (1948–2024).

“Coleção Bandeira”, coleção da artista Marília Scarabello, que faz a crítica dos símbolos autoritários da cultura brasileira.

Ora, nós não nascemos “brasileiros” ou “franceses”, nos tornamos isso num processo histórico traumático e impositivo. Não à toa as “regionalidades” explodem em diversidade, diferença e oposição quando vamos de fato aos rincões de cada país, geralmente pasteurizados nos grandes centros urbanos.

Essa é a história da modernidade e a imposição do nacionalismo é a sua linha mestra. Seja ela nas estratégias pseudo-civilizadas da burguesia liberal francesa, americana ou britânica, seja ela o caminho quase sempre tido como regra quando o liberalismo precisa dar um passo adiante: se tornar Fascismo. Foi assim com Mussolini e Hitler e foi assim — dadas as devidas proporções — mais recentemente com Trump, Boris Johnson e Bolsonaro.

Voltando à questão das cores e da bandeira do Brasil, quando o golpe militar proclamou a República, em 1889, a nova bandeira republicana manteve as cores da bandeira imperial (o “verde da primavera” e o “amarelo do ouro”), mas substituiu o brasão da monarquia dos Bragança por um dístico positivista retirado de Augusto Comte, grande referência dos militares republicanos brasileiros.

A frase de efeito originalmente era: “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim.” Entre nós, mais de um século depois, a piada sempre é a de que esquecemos de colocar o “amor por princípio” na nossa bandeira. E, sintomaticamente, foi quase isso.

O nosso país foi forjado pela escravidão, pela exportação de commodities e pela devastação sistemática de nossa flora e fauna. Foi assim desde o pau-brasil, passando pelas plantations de cana-de-açúcar, pelo ouro dos sertões das Minas Gerais, pelo café do vale do paraíba e oeste paulista, pela borracha, pelo minério, pela soja. Tudo isso numa ideologia do “progresso” extremamente violenta e que rifa a própria existência humana como ela é.

“Coleção Bandeira”, da artista Marília Scarabello, que faz a crítica dos símbolos autoritários da cultura brasileira.

Tal foi, também, o caminho sanguinário da República, que com sua “ordem e progresso” trucidou e massacrou nosso povo. Foi exatamente nesse sentido — o sentido do nacionalismo genocida — que o Bolsonarismo retomou e levou aos mais altos e trágicos padrões o nacionalismo fascista. Por isso, depois de praticamente uma década com “nossas cores sequestradas”, é um alento vê-las em nossas mãos e manifestações.

Porém, a história do (nosso) nacionalismo mostra que tais cores não são nada confiáveis. Que tal irmos além e propormos um plebiscito de refundação de nossas cores e bandeira? Talvez, primeiro, teríamos que acabar com o Estado Nacional como ele é, com o Nacionalismo como ele é e com o Capitalismo. Nunca é tarde para, uma vez mais, tentarmos acabar com aquilo que nos aniquila.

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