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Chico Alves

Jornalista, por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe do jornal O DIA. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho. Atualmente é editor-chefe do site ICL Notícias.

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O carnaval que eu não sabia que queria

Eu tinha desenhado pra mim neste ano um carnaval diferente.
15/02/2024 | 23h37

Eu tinha desenhado pra mim neste ano um carnaval diferente.

Me organizei para que eu fizesse um carnaval bucólico na ilha de Itaparica, em Salvador, mais especificamente no vilarejo da Misericórdia, lugar tranquilo (imaginava que fosse).

Ao chegar em Salvador, me encaminhei de imediato para a casa de um amigo, pois meu voo foi à noite, e não havia mais ferry boat para fazer a travessia da Baia de Todos os Santos em direção à ilha.

Acordei pela manhã e fui direto para a tão famosa feira de São Joaquim comprar alimentos para levar comigo para a minha casa, iria abastecer a despensa para não ter que sair de casa.

A travessia foi maravilhosa, o mar não estava batendo e cheguei super rápido, fui direto pra casa e pensei, “agora vou fazer meu retiro”, nada de festas, vou dormir cedo, alimentação saudável, caminhadas pela manhã.

Doce ilusão!

O celular não parava de tocar, uma tentação atrás da outra, os convites vinham como enxurrada.

“Rapaz, você vai sair nos Gandhi, né? São os 75 anos do bloco, você não vai perder!”

“O Bankoma vai desfilar, ano passado você saiu, esse ano você tem que sair de novo!”

E assim eu fui cedendo às investidas momescas e africanas, que me tiravam o sono e me davam um sentimento de excitação. Era como se um espirito estivesse me tomando e exigindo a minha alma carnavalesca para que não adormecesse.

Cedi!

Fui a um dos postos de venda de fantasia do bloco Filhos de Gandhi e quando percebi já tinha comprado a fantasia. Me deu um frisson “retado”, fiquei feito um pinto no lixo com aquela bolsa padronizada do Filhos de Gandhi, como uma criança que havia ganhado um presente.

O tempo inteiro eu imaginando o meu desfile, seria meu primeiro nesta agremiação pela qual tenho imenso carinho e respeito, que guarda e representa uma grande história dos povos de terreiro da Bahia.

Joguei para o alto o dormir cedo, caminhadas, etc. … eu queria era me render àquela energia que tomou meu corpo e mente.

A alimentação saudável eu mantive, comi feijoada, moqueca de peixe, muitos acarajés, piguari (um caramujo) para dar energia, muita água de coco, inhame, batata-doce, banana-da-terra, cuscuz.

Mas não parou por aí!

A ilha de Itaparica também não fica atrás em diversão de carnaval, tem vários blocos e afoxés, que saem durante os dias de carnaval, seja em Ponta de Areia, Itaparica ou em Mar Grande, além de pequeno blocos no vilarejo da Misericórdia, onde eu me estabeleço na Ilha.

Meu projeto de descanso foi para a casa do chapéu, saí quase todos os dias, me diverti muito, dormi muito tarde, já acordava vendo qual roupa iria por para sair durante o dia.

Pegava a lancha e fazia a travessia Ilha/ Salvador sem me preocupar com as distâncias, o que eu queira era subir as ladeiras sambando e dançando com aqueles ritmos que me embalavam e me sacudiam como um transe.

Voltava pra casa destruído, acabado, arrasado, mas com um sentimento de prazer indescritível, lembrando dos acontecimentos no bloco, a mistura do povo com aquela cultura ofertada a todos nós, que nos fazia sujeitos e protagonistas daquela festa.

Que coisa boa!

O monge que eu esperava incorporar não conseguiu vencer a batalha contra o espírito de carnaval. Ainda bem!

Foi um dos melhores carnavais que eu já vivi, mesmo tendo projetado quase um retiro espiritual ao sair do Rio de Janeiro, em busca da calmaria que não iria ter na Cidade Maravilhosa, essa energia me perseguiu e mudou os meus planos.

Acho que foi uma peça pregada por Exu, aquele que fala, o senhor das incertezas, das dúvidas, das encruzilhadas, dos diversos caminhos, das mudanças e dinâmicas da vida.

Modupé Exu (eu agradeço Exu) Laroiye (O que fala)!

Que venham outros planos, e que sempre mudem, pois foi muito bom ter me rendido à realidade que se apresentou a mim neste quase retiro que iria fazer.

A Bahia é isso, cheia de novidades e prazeres!

 

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