Por Vivian Mesquita
Eu não gosto muito de ir para a escola, mas a minha mãe fica brava quando faço birra. Meu irmão mais velho falou que o primeiro ano do fundamental é legal, eu não acho. Gostava mesmo era do infantil, lá todo dia é dia do brinquedo. Só que cresci, estou com 6 anos e na minha escola nova eu gosto mesmo é da sexta-feira, é o único dia do Brinquedo.
Estou com a minha coleção de Hot Wheels na mochila, Jorginho vai levar a pista que ele ganhou no Natal passado, eu nem dormi direito.
Acordei antes do relógio tocar. Escovei os dentes, penteei os cabelos, botei o uniforme e fui tomar meu todinho. Conferi a mochila, os três carrinhos estão lá: o Ford GTX1 amarelo, o Superbird azul e o Batmobile.
Outro dia, Jorginho disse que existem mais de 800 modelos e 11 mil variações de Hot Wheels. Dizem que já foram vendidos mais de 6 bilhões de carrinhos, quem comprou tudo isso? Meu sonho é ganhar o Camaro Copper Custom (1968), mas meu pai falou que custa mais de 2 mil do dinheiro americano e um monte do real.
“Vamos logo, pai, Jorginho está esperando a gente”.
Meu amigo mora pertinho de casa aqui em Vicente de Carvalho, na Zona Norte do Rio. “Pegou a pista Jorginho?”.
A escola é logo ali, a gente vai caminhando na frente e papai vem logo atrás. Tô falando, hoje é minha sexta-feira da sorte, vou vencer todas as corridas!
Bummmm. Que barulho é esse? Ai, ai, tá doendo, tá doendo, ai meu peito, que sangue é esse? Aí, tá doendo!
Paiiiiiiiiii.
Meu pai está tão estranho, não consigo ouvir direito o que ele está dizendo pro moço. Parece que ele ouviu um barulho e me viu chorando. Eu caí no chão, que dor no peito, por que o Jorginho está com a cara da cor de fantasma?
Que calor, meu coração está acelerado. A escola está logo ali, não quero atrasar, hoje é sexta-feira e a corrida eu vou ganhar.
***
Na quarta-feira desta semana, um menino de 6 anos foi baleado no Rio de Janeiro a caminho da escola. Ele está internado em estado grave desde que recebeu uma bala perdida no peito disparada por um homem na garupa de uma moto, que tinha como alvo um empresário — morto por ele com outros disparos.
Vinte e quatro crianças foram atingidas por balas perdidas só esse ano, no Rio de Janeiro.
Não era o dia do brinquedo, não sei se o nome do amigo do garotinho é Jorginho e se eles brincam de Hot Wheels, mas sei que caminhar para a escola nunca mais será igual para essa criança.
Ei! Luta, menino, meu presente de Natal é que você saia bem do hospital.
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