Esta semana, na cobertura da guerra Israel-Palestina, Heloísa Villela captou imagens de crianças recolhendo livros dos escombros de uma mesquita bombardeada em Jenin, na Cisjordânia. Cinco meninos conversavam enquanto empilhavam livros e cópias do Al Corão numa espécie de jogo entre eles. Ali, em meio a morte, medo e incerteza, crianças – ainda que inconscientemente-, tentavam encontrar algum sentido.
Aquela cena me levou a uma conversa sobre esporte e busca por sentido que mudou tudo o que eu acreditava em mais de 20 anos como jornalista esportiva. Em 2016, durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, conheci e entrevistei Claude Marshall, à época coordenador pela UNHCR (Agência das Nações Unidas para os Refugiados) da primeira equipe olímpica de refugiados.
Claude foi um refugiado. Aos 4 anos, na década de 30, fugiu com os pais da Alemanha nazista para os Estados Unidos, onde se formou em engenharia, casou e teve filhos. Aos 62, após assistir a uma palestra de Sadako Ogata, diplomata japonesa da UNHCR na época, não teve dúvidas. “Sou filho de refugiados, é isso o que quero fazer na minha vida daqui para frente”. O engenheiro aposentado tornou-se consultor voluntário da agência e fez como sua principal missão construir e organizar o esporte para crianças, jovens e adolescentes nos campos de refugiados.
São mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo que de uma forma ou de outra foram forçadas a deixar suas casas. Pelo menos um terço delas é de refugiados que fugiram de seus países. Claude contou que receber refugiados num acampamento foi uma experiência que transformou sua vida. “Eles passaram o inferno para tentar chegar em segurança a um campo, muitas vezes não sabiam onde estavam os pais ou filhos. Famílias são separadas, destruídas e muitas vezes jamais se reencontram”.
Quando são jovens e crianças, a situação é ainda pior. “Muitas perderam os pais, vagam de um canto para outro aos oito, nove anos de idade. Levam três, quatro dias para chegar a um campo. A estrutura de vida se foi, elas estão completamente traumatizadas, sozinhas e perdidas.”
Eu perguntei qual a primeira coisa que se oferece a uma criança ou jovem quando chegam ao acampamento. “A primeira coisa que oferecemos é o básico, comida, água e abrigo, elas estão completamente desamparadas, são farrapos humanos. Depois a gente oferece pertencimento, a oportunidade de fazer parte de um grupo, o resgate da busca por sentido, a gente oferece o esporte. E é por isso que eu sempre digo que o esporte não salva, mas pode curar”.
Voltando a Jenin e às crianças recolhendo livros nos escombros da mesquita bombardeada, fecho os olhos para enxergá-las em quadras, pistas, praias, sobre skates ou pranchas – em qualquer esporte que possa curá-las dessa tragédia, porque criança é criança em qualquer lugar.
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