Narrar em poucas palavras ou com palavras de ordem a vida de alguém é sempre algo difícil. Melhor dizendo, algo temerário. Para os historiadores e biógrafos, impossível. Escapam muitas camadas, nuances, em suma, complexidade. Não há vida humana sem contradição. E não há história sem disputa e conflito. O que define efetivamente uma vida “notável”? O que faz um sujeito ser — ainda em vida — considerado alguém notável dentre tantos “mortais”?
Esta é pergunta que há tempos move aqueles que tentam narrar uma vida. Em outras palavras, por que a vida de um é notável e a vida de outro não é? Alguém haverá de dizer que todas as vidas são notáveis. Mas sabemos que isso não funciona na prática. Melhor dizendo, não funciona diante das estruturas sociais. Nossas formas de hierarquizar a vida, sobretudo a vida material, acabam determinando papéis sociais muito distintos entre si. E não há liberalismo ou meritocracia que dê conta. Muito do que somos hoje, na vida, na família, no trabalho, é resultado de um acúmulo de muitos séculos. Tanto quanto somos, também, os traumas que tivemos desde a infância, haja terapia.
Mas voltando ao que interessa, mesmo que tenhamos exemplos de ascensão de alguns anônimos para a fortuna e a fama, em geral, as estruturas abrem algumas frestas, mas não se abrem inteiras. Se quer fazer uma averiguação, uma espécie de pesquisa de campo, indague entre as pessoas mais próximas a você (onde quer que esteja), quem é quem na fila do pão e logo entenderá que até podemos fazer a nossa história, mas não exatamente do jeito que queremos.
Onde você estudou? Onde queria ter estudado? Onde você morou? Onde queria ter morado? Quanto ganhou? Quanto queria ter ganho? As repostas não dependem apenas do seu esforço, compreende? Uma andorinha proletária sozinha não faz verão. Ainda somos o que nossos pais e avós foram. Se eram ricos e notáveis, a probabilidade de você ser alguém “notável” hoje é enorme. Se eram pobres, aposto os 100 reais que me sobraram na conta — cara leitora, caro leitor — que vocês estão vivendo na mesma corda bamba que seus antepassados de décadas atrás.
Claro que houve mudança. Mas presta bem atenção, qual mudança? Em todo caso, o que nos interessa aqui é perceber, ver e fazer ver, que tudo isso que foi elencado acima – os tais níveis de hierarquia – vale para o Silvio Santos, para o Delfim, vale para mim, para você ou para o entregador de iFood e bicicleta que acabo de ver aqui pela minha janela, no centro da cidade. Janela indiscreta, fortunas e infortúnios indecentes. Como diria o Senor Abravanel: Oeeee!
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