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Artigo: O que o mercado realmente quer de Lula na economia?

Teto de gastos gerou um conforto grande para a Faria Lima, e ela agora está temendo perder alguns de seus privilégios com o chamado “furo”
21/11/2022 | 17h39

Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *

A  grande disputa atual em relação ao orçamento é a chamada PEC da transição, que em sua versão inicial propõe cerca de R$ 200 bilhões de gastos acima do limite constitucional do teto para, além de garantir o pagamento dos R$ 600 do Bolsa-Família, recompor orçamentos em áreas importantes, como saúde, educação, infraestrutura etc. Porém, o mercado financeiro parece estar preocupado demais com as medidas, alegando que isto poderia causar um risco ao país, como elevação considerável da inflação no próximo ano e perda de credibilidade internacional, reduzindo o volume dos investimentos diretos recebidos pelo país, gerando uma crise cambial.

Essa é a desculpa oficial do chamado mercado, entidade mágica que possui nome, CPF, CNPJ e interesse de classe em suas atitudes e alegações. Mas na verdade, o que acontece é que a situação do teto de gastos gerou um conforto grande para a Faria Lima, e ela agora está temendo perder alguns de seus privilégios com o chamado “furo”. O que o mercado está tentando fazer é continuar pautando a política econômica do governo, coisa que fez desde o golpe que Dilma sofreu em 2016, e nestes últimos quatro anos, em que o mercado gostou de dar as cartas.

Com o teto de gastos, o orçamento público virou um verdadeiro palco de guerra sobre como os recursos seriam alocados. Após criar limites sobre como os gastos seriam elevados, e levando em conta que existem gastos obrigatórios que vão subir sempre acima da inflação, como é o caso dos gastos previdenciários, ano após ano, temos um orçamento cada vez menor e sempre em uma disputa acirrada sobre quem fica com cada pedaço do bolo que vem diminuindo com o passar do tempo.

O resultado concreto é que cada vez mais os recursos para áreas importantes estão sendo cortados, e sucateando as estruturas de universidades federais, de hospitais públicos, de estradas ainda não privatizadas e de financiamento para moradias populares. Isso tudo abre espaço para a iniciativa privada tomar conta desse vácuo deixado. Cada vez mais crescem os grupos universitários privados, os planos de saúde populares que cobrem quase nada e os financiamentos a juros abusivos para moradias populares. O sucateamento dessas áreas importantes é projeto do mercado, que h anos está de olho nessas rentáveis áreas de atuação.

E tudo isso só é possível com o discurso do teto de gastos e o do “não temos dinheiro para nada”. Professores estão sem reajustes e cada vez mais o serviço público se torna pouco atrativo para essa categoria. Os financiamentos de habitação dos bancos públicos estão tomando cada vez menos riscos e atuando somente em casas e apartamentos para a classe média alta e a saúde só não se encontra em situação pior pelo gasto realizado durante a pandemia, caso contrário, veríamos cada vez mais pessoas pagando planos de saúde populares que dão acesso a quase nada de assistência médica na tentativa de se proteger de uma doença futura.

Com a guerra do orçamento público, fica inviável para o governo realizar os investimentos necessários para melhorar a situação destas áreas importantes, e o mercado não quer isso. A Faria Lima sabe da capacidade que gastos na área social possuem para alavancar o crescimento econômico. E também sabem que tem uma capacidade de ganho elevado caso isso aconteça. Mas o objetivo deles é maior, é conseguir cooptar essas áreas importantes e de tanto potencial lucrativo futuro. Sendo assim, a reclamação do mercado financeiro tem fundamento, mas passa longe do temor sobre “risco fiscal”, inflação futura, problemas de crescimento futuro etc. A reclamação é que este setor deve perder o poder que tanto almejava sobre a condução das políticas econômicas, além do temor de ver seu plano de conseguir privatizar cada vez mais áreas de alto valor, como a saúde e a educação. Então esse é o motivo de verdade das reclamações do mercado financeiro, e está longe de ser por pensar nos mais pobres, como diz o discurso oficial.

*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais

*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorado pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira

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