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Obra-prima de Jeferson Tenório é censurada em cidade do Rio Grande do Sul

Diretora de escola de Santa Cruz do Sul protagoniza absurdo nas redes sociais
04/03/2024 | 10h32

Vencedor do Jabuti em 2021, o escritor Jeferson Tenório teve seu premiado livro “O avesso da pele” censurado na cidade gaúcha de Santa Cruz do Sul.

Janaina Venzon, diretora da escola Ernesto Alves, gravou um vídeo nesta sexta-feira (1) em que critica “palavras de baixo calão” no livro e o que ela chama de “atos sexuais”. A escolha da obra se deu pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) e foi feita pela própria diretora.

A diretora proibiu o livro na escola e pediu a retirada de todos os exemplares das bibliotecas de Santa Cruz do Sul “até resposta do governo”, o que não aconteceu segundo a prefeitura da cidade.

“O avesso da pele”, lançado em 2020, conta uma história sobre racismo, violência e identidade. É a “história de uma ferida”, segundo o próprio narrador, Pedro, que busca recriar a vida dos pais, Martha e Henrique, professor de uma escola na periferia de Porto Alegre que é vítima de uma abordagem policial violenta.

Em seu Instagram, Tenório falou sobre a censura na manhã deste sábado (2):

“’O avesso da pele’ já foi adotado em centenas de escolas pelo Brasil, venceu o prêmio Jabuti, foi finalista de outros prêmios, teve direitos de publicação vendidos para mais de 10 países, foi adaptado para o teatro. Além disso, o livro foi avaliado pelo PNLD, em 2021, ainda no governo Bolsonaro. A própria diretora assinou a ata de escolha do livro. As distorções e fake news são estratégias de uma extrema-direita que promove a desinformação. O mais curioso é que as palavras de ‘baixo calão’ e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras”.

Tenório disse ainda que “não vamos aceitar qualquer tipo de censura ou movimentos autoritários que prejudiquem estudantes de ler e refletir sobre a sociedade em que vivemos”.

Com "O avesso da pele", Tenório se consagrou nas letras brasileiras

Tenório se consagrou nas letras brasileiras com seu premiado “O avesso da pele”

Antes, Tenório foi censurado em Salvador

Não é a primeira vez que o romance de Tenório sofre censura em uma escola do país. Com direitos vendidos para Inglaterra, França, Portugal, Itália, Suécia, Eslováquia, China, México, Canadá e Estados Unidos, o livro foi censurado antes em uma escola particular de Salvador.

Tenório chegou a receber ameaças de morte na época, em 2022. Disse ele em entrevista ao jornal O Globo:

“Nas ameaças anônimas diziam que se eu fosse na escola eu teria ‘meu CPF cancelado’ ou que ‘teria de fugir do País’ para não ser metralhado”, conta o escritor. “Decidi tornar estas ameaças públicas para me proteger e também para que estas pessoas saibam que elas não podem cometer esses crimes e acharem que tudo ficará por isso mesmo. Não ficará.”

A historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz criticou a censura em suas redes sociais:

“Antes, foi uma escola privada em Salvador, agora em Santa Cruz do Sul, no estado do Rio Grande do Sul. Vale destacar que foi a própria diretora acusante quem selecionou o livro. Por que mudou de ideia, então? Não será pelos motivos elencados, mas por conta da crítica forte que o autor faz ao racismo vigente no Brasil e, que como mostra o romance, estrutura a nossa vida e nossa linguagem. O próprio tratamento que tem sido dado à obra é prova cabal disto. Vergonha. Toda minha solidariedade ao Jeferson Tenório”, escreveu a antropóloga em sua conta no Instagram.

Primeiro livro de Tenório foi bem recebido pela crítica

Primeiro livro de Tenório foi bem recebido pela crítica

Os dois romances anteriores de Tenório já haviam sido bem recebidos pela crítica. “O beijo na parede”, de 2013, foi premiado pela Associação Gaúcha de Escritores, selecionado para o Plano Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) e distribuído em escolas de todo o país, com mais de 80 mil cópias vendidas. “Estela sem Deus”, de 2018, também ganhou elogios, como do autor Tom Farias, no jornal O Globo: “o autor transborda talento ao narrar a experiência de uma adolescente em busca de sua identidade”, escreveu. Mas foi com “O avesso da pele” e o Jabuti que Tenório entrou no primeiro time dos escritores brasileiros.

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