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Meio Ambiente

Organizações da sociedade civil pedem revogação de norma que permite mineração em áreas de assentamentos

Normativa criada pelo governo Bolsonaro regula a realização de grandes empreendimentos em assentamentos rurais
22/07/2024 | 13h39

Por Leonardo Fernandes — Brasil de Fato

Um conjunto de organizações da sociedade civil e movimentos populares lança nesta segunda-feira (22), em Brasília, uma nota técnica que recomenda a suspensão de uma norma do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), criada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), que regula a realização de grandes empreendimentos relacionados a atividades de mineração, energia e infraestrutura em áreas de assentamentos rurais.

O documento, intitulado “Direito e prioridade: pode a mineração se sobrepor à reforma agrária?”, afirma que a Instrução Normativa 112/2021 (IN112) do Incra é uma “ameaça às possibilidades de desconcentração de terras no país”. O texto faz análise técnica da norma e recomenda ao Incra e ao governo federal a revogação do instrumento.

Segundo as organizações que assinam a nota técnica, “a norma enfraquece a política de reforma agrária e viola direitos enquanto cria dispositivos que facilitam a disponibilização das áreas de assentamentos à mineração e grandes empreendimentos econômicos”.

Riscos da normativa

Segundo a nota técnica, a Instrução Normativa 112 do Incra prevê, em caso de conflitos de interesse, a “compatibilização” dos projetos minerários com o desenvolvimento dos assentamentos, “apesar das muitas evidências sobre os impactos negativos dos grandes empreendimentos econômicos sobre a produção agrícola familiar”.

“Não há na norma nenhum procedimento ou critério para que o Incra determine essa incompatibilidade e sobre como o órgão deve agir nesse caso, seja indeferindo o empreendimento ou desafetando o assentamento”, alerta o texto.

Para Juliana Julianna Malerba, assessora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) e integrante da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), a norma “é muito genérica”. “Inclusive não diz se uma vez que o Incra considere incompatível o empreendimento com o assentamento, o que vai ser feito do ponto de jurídico. Se o assentamento vai ser desafetado, se a anuência vai ser indeferida e, portanto, o assentamento continua e o empreendimento não entra. Então não está claro isso”, explica.

A nota técnica alerta para incompatibilidades da IN112 com o Plano Nacional de Reforma Agrária e sobre os impactos na produção de alimentos. O documento ainda denuncia a ausência, na norma, de mecanismos de consulta e participação dos assentados no processo de decisão sobre os empreendimentos a serem instalados nos assentamentos.

“Tampouco há menção à consulta prévia, livre e informada, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, o que é bastante preocupante, uma vez que muitas populações, especialmente nos assentamentos ambientalmente diferenciados, são tradicionais”, afirmam as organizações.

A nota técnica afirma ainda que, “no lugar de proteger as terras destinadas à reforma agrária da pressão minerária, a elaboração dessa norma reforça o argumento da primazia ao interesse econômico privado”.

Impactos

Nota técnica aponta dados da Agência Nacional de Mineração que mostram que “até janeiro de 2022, havia 20 mil requerimentos minerários ativos” em cerca de 39% das áreas de assentamentos do Incra em todo o país. (Foto: Agência Brasil)

A nota técnica aponta dados da Agência Nacional de Mineração que mostram que “até janeiro de 2022, havia 20 mil requerimentos minerários ativos” em cerca de 39% das áreas de assentamentos do Incra em todo o país. Ainda segundo as organizações, 44% dos assentamentos com interesses minerários estão na Amazônia Legal.

Malerba afirma que as organizações sociais vêm acompanhando os requerimentos de empreendimentos minerários em assentamentos rurais e o impacto sobre esses territórios.

“A gente tem muitos exemplos de impactos negativos da mineração à produção agrícola camponesa. Toda a região de Carajás, onde a Vale tem expandido suas minas, tem exemplos muito claros dos impactos da mineração, tanto impactos socioambientais quanto conflitos em relação a terra”, explica.

Além da revogação da norma, as organizações defendem que ela seja substituída por outro instrumento, que regule a relação dos assentamentos rurais e os grandes empreendimentos privados no sentido de atender à “crescente demanda de alimentos e do fortalecimento da política de reforma agrária do país”.

Segundo Malerba, houve reunião com representantes do Incra no mês de junho e novo encontro deve ser realizado na próxima semana para discutir a revisão dos termos da norma.

Organizações que assinam

A nota técnica Direito e prioridade: pode a mineração se sobrepor à reforma agrária foi organizada e é assinada pela Amazon Watch; Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA; Associação Regional de Produtores Agroecológicos – ARPA; Coletivo de Pesquisa Desigualdade Ambiental, Economia e Política (UFRJ, UFF, UFRRJ, UFRB e UFAL); Comitê em Defesa dos Territórios frente a Mineração – CDTM; Centro de Tecnologia Alternativa do Vale do Guaporé–MT – CTA; FASE; Federação das Associações de Moradores do Projeto de Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande – FEAGLE; Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM; Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra – MST; Núcleo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (UFJF, UFRJ, UFF, UFV, UEG), Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA; International Rivers.

O Brasil de Fato procurou o Incra para saber o posicionamento da autarquia em relação à IN112 e à demanda das organizações pela revogação e substituição por outra norma, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

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