Em pleno século XXI, estamos assistindo àquilo que foi chamado de “a era da guerra eterna”, realizada particularmente pelos Estados Unidos da América em todas as partes onde seu domínio sobre o mundo é colocado em xeque. Eles vivem a ideologia do “Destino Manifesto”, acreditando serem “o novo povo de Deus”, destinados a levar a democracia (burguesa), os direitos humanos (individuais, esquecendo os sociais e ecológicos) e o valor supremo do indivíduo (base da acumulação capitalista) ao mundo. Nessa crença, sustentam a unipolaridade, conforme o lema: “um só mundo, um só império”, o deles. Estão dispostos a fazer guerra para impedir a multipolaridade.
Enquanto escrevemos, está acontecendo um massacre cruel de todo um povo, os palestinos da Faixa de Gaza, denunciado como um verdadeiro genocídio, perpetrado pelo sionista Benjamin Netanyahu, com o incondicional apoio dos EUA. A razão está operando de maneira ensandecida, sem nenhum coração e sensibilidade humana, exercendo sua lógica fria e sem escrúpulos éticos.
Sabemos que a razão sensível e cordial é mais ancestral do que a razão pensante. A primeira surgiu há 125 milhões de anos, quando, no processo da evolução, irromperam os mamíferos com o assim chamado cérebro límbico, sede do mundo dos afetos e da cordialidade. A fêmea, ao dar à luz, se enche de cuidados e sensibilidade para com sua cria. Nós, seres humanos, esquecemos que somos mamíferos racionais, portanto, portadores de sensibilidade, cuidado, afeto e amor. Tal fato pertence ao DNA de nossa natureza.
Somente a partir de 7-8 milhões de anos atrás, formou-se o cérebro neocortical, base do pensamento e da racionalidade conceptual. Apenas nos últimos 100 mil anos emergiu o Homo sapiens sapiens, do qual somos herdeiros. Note-se que o mais ancestral não é o logos, mas o pathos, a razão emocional, cordial e sensível. Somos seres racionais assentados sobre o universo dos afetos, da sensibilidade, numa palavra: a mente lança raízes no coração. Neste vivem os grandes valores que nos orientam, como o amor, a empatia, a amizade e a compaixão. Como afirmava um representante da etnia Pueblo do Novo México (EUA) ao grande psicanalista C.G. Jung, que os visitou: “Vocês são loucos porque presumem que pensam com a cabeça. Nós, no entanto, pensamos com o coração.” Esta resposta fez o grande psicanalista mudar sua percepção da psique humana que tanto estudava. Jung entendeu o porquê os europeus conquistaram o mundo pela violência e pelas guerras: porque usaram apenas a cabeça sem o coração. Haviam perdido a dimensão da sensibilidade e da compaixão. Por isso, cometeram o maior holocausto da história.
Em menos de 50 anos, conforme a pesquisa mais recente de Marcelo Grondin e Moema Viezzer (Abya Yala, genocídio dos povos originários das Américas, 2021), eliminaram cerca de 61 milhões de habitantes das Américas (os EUA a partir de 1607). Foi o nosso esquecido Holocausto, o maior da história. O drama do homem atual é ter perdido a capacidade de sentir o outro como seu semelhante, de viver um sentimento de pertença à mesma humanidade, algo que as religiões e as éticas humanitárias sempre ensinaram.
O que se opõe à religião não é o ateísmo ou a negação de Deus. O que se opõe é a incapacidade de ligar-se e religar-se com os diferentes e com a natureza com um laço de afeto e de reconhecimento. Hoje, um grande número de pessoas está desenraizado, desconectado de seus semelhantes humanos, da natureza e da Mãe Terra. Na linguagem de Jung, recalcaram a dimensão da anima, que responde pela expressão da sensibilidade, do cuidado, da relacionalidade com os outros e com a espiritualidade.
Se não articulamos razão e sensibilidade, mente e coração, dificilmente nos movemos para defender quem está sendo sacrificado e martirizado, como as mais de 10.500 crianças assassinadas e mais de 1.500 sob os escombros dos ataques aéreos e terrestres por parte do exército insensível e sem coração de Netanyahu.
A mera razão analítico-instrumental, não acompanhada da inteligência emocional, torna-se irracional e insana a ponto de praticar o Holocausto de 6 milhões de judeus pelos nazistas e os 61 milhões de representantes de nossos povos originários. Uma ciência com consciência, cuidadosa, sensível a tudo o que existe e vive, que une mente e coração, é pré-condição para evitarmos massacres e o genocídio, como estamos assistindo na Faixa de Gaza. Além disso, garantiremos que não vamos nos devorar mutuamente e salvaguardaremos a vitalidade do planeta Terra. Caso contrário, ele pode continuar girando ao redor do sol, mas sem nós.
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