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Leonardo Boff

Leonardo Boff escreveu: A busca da justa medida (I e II), Vozes 2023; A oração de São Francisco: uma mensagem de paz para o mundo atual, Vozes 2014; Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz, Vozes 2009.

Os crimes na Faixa de Gaza mostram a demência da razão e a falta de coração

Eestá acontecendo um massacre cruel de todo um povo, os palestinos da Faixa de Gaza
19/11/2023 | 07h49

Em pleno século XXI, estamos assistindo àquilo que foi chamado de “a era da guerra eterna”, realizada particularmente pelos Estados Unidos da América em todas as partes onde seu domínio sobre o mundo é colocado em xeque. Eles vivem a ideologia do “Destino Manifesto”, acreditando serem “o novo povo de Deus”, destinados a levar a democracia (burguesa), os direitos humanos (individuais, esquecendo os sociais e ecológicos) e o valor supremo do indivíduo (base da acumulação capitalista) ao mundo. Nessa crença, sustentam a unipolaridade, conforme o lema: “um só mundo, um só império”, o deles. Estão dispostos a fazer guerra para impedir a multipolaridade.

Enquanto escrevemos, está acontecendo um massacre cruel de todo um povo, os palestinos da Faixa de Gaza, denunciado como um verdadeiro genocídio, perpetrado pelo sionista Benjamin Netanyahu, com o incondicional apoio dos EUA. A razão está operando de maneira ensandecida, sem nenhum coração e sensibilidade humana, exercendo sua lógica fria e sem escrúpulos éticos.

Sabemos que a razão sensível e cordial é mais ancestral do que a razão pensante. A primeira surgiu há 125 milhões de anos, quando, no processo da evolução, irromperam os mamíferos com o assim chamado cérebro límbico, sede do mundo dos afetos e da cordialidade. A fêmea, ao dar à luz, se enche de cuidados e sensibilidade para com sua cria. Nós, seres humanos, esquecemos que somos mamíferos racionais, portanto, portadores de sensibilidade, cuidado, afeto e amor. Tal fato pertence ao DNA de nossa natureza.

Somente a partir de 7-8 milhões de anos atrás, formou-se o cérebro neocortical, base do pensamento e da racionalidade conceptual. Apenas nos últimos 100 mil anos emergiu o Homo sapiens sapiens, do qual somos herdeiros. Note-se que o mais ancestral não é o logos, mas o pathos, a razão emocional, cordial e sensível. Somos seres racionais assentados sobre o universo dos afetos, da sensibilidade, numa palavra: a mente lança raízes no coração. Neste vivem os grandes valores que nos orientam, como o amor, a empatia, a amizade e a compaixão. Como afirmava um representante da etnia Pueblo do Novo México (EUA) ao grande psicanalista C.G. Jung, que os visitou: “Vocês são loucos porque presumem que pensam com a cabeça. Nós, no entanto, pensamos com o coração.” Esta resposta fez o grande psicanalista mudar sua percepção da psique humana que tanto estudava. Jung entendeu o porquê os europeus conquistaram o mundo pela violência e pelas guerras: porque usaram apenas a cabeça sem o coração. Haviam perdido a dimensão da sensibilidade e da compaixão. Por isso, cometeram o maior holocausto da história.

Em menos de 50 anos, conforme a pesquisa mais recente de Marcelo Grondin e Moema Viezzer (Abya Yala, genocídio dos povos originários das Américas, 2021), eliminaram cerca de 61 milhões de habitantes das Américas (os EUA a partir de 1607). Foi o nosso esquecido Holocausto, o maior da história. O drama do homem atual é ter perdido a capacidade de sentir o outro como seu semelhante, de viver um sentimento de pertença à mesma humanidade, algo que as religiões e as éticas humanitárias sempre ensinaram.

O que se opõe à religião não é o ateísmo ou a negação de Deus. O que se opõe é a incapacidade de ligar-se e religar-se com os diferentes e com a natureza com um laço de afeto e de reconhecimento. Hoje, um grande número de pessoas está desenraizado, desconectado de seus semelhantes humanos, da natureza e da Mãe Terra. Na linguagem de Jung, recalcaram a dimensão da anima, que responde pela expressão da sensibilidade, do cuidado, da relacionalidade com os outros e com a espiritualidade.

Se não articulamos razão e sensibilidade, mente e coração, dificilmente nos movemos para defender quem está sendo sacrificado e martirizado, como as mais de 10.500 crianças assassinadas e mais de 1.500 sob os escombros dos ataques aéreos e terrestres por parte do exército insensível e sem coração de Netanyahu.

A mera razão analítico-instrumental, não acompanhada da inteligência emocional, torna-se irracional e insana a ponto de praticar o Holocausto de 6 milhões de judeus pelos nazistas e os 61 milhões de representantes de nossos povos originários. Uma ciência com consciência, cuidadosa, sensível a tudo o que existe e vive, que une mente e coração, é pré-condição para evitarmos massacres e o genocídio, como estamos assistindo na Faixa de Gaza. Além disso, garantiremos que não vamos nos devorar mutuamente e salvaguardaremos a vitalidade do planeta Terra. Caso contrário, ele pode continuar girando ao redor do sol, mas sem nós.

 

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