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O que é uma polêmica? O que são desacordos? O jornal Zero Hora trouxe a manchete: especialistas dizem se houve crime.

Curioso, abro a matéria e vejo que foram ouvidos quatro advogados. “Suficiente”, não? O jornalismo brasileiro vai ganhar o prêmio AntiPullitzer. A tese principal: não há crime. Por quê? Porque só houve intenção, planejamento, cogitação e meros atos preparatórios…  Ou seja, quem leu ficou pensando que a “polêmica” foi decidida em favor de Bolsonaro: fez apenas atos preparatórios e, assim, não pode ser punido.

Já a Folha de São Paulo ouviu mais pessoas. Mas também a metade dos ouvidos (por que será que tem de dar sempre empate?) disse que não houve início de execução (por exemplo, a reunião não configura nada nesse caso — só intenção). E foram peremptórios nisso. (Alerta: lembremos que essa ‘neutralidade’ hoje praticada por muitos jornais fundamentava espaço para negacionistas na época da pandemia. “Contraditório”?)

Problema da matéria da Folha: perguntou se a reunião gravada é um ato isolado na cadeia de empreendimento golpista. Mais: a Folha diz que especialistas divergem. Sim, divergem. Mas em um universo de professores e advogados como o nosso, como aquilatar o nível da divergência com a opinião de poucos? O que são esses disagreements (desacordos)? Empíricos? Teóricos?

Será que existe, mesmo, divergência ou a “divergência” é resultado de uma “matéria equilibrada a fórceps”, tentando naturalizar a tese de que “não houve inicio de execução — logo, não há crime”?

Além disso, a premissa da “polêmica” é equivocada. É equivocado discutir se houve ou não crime levando em conta apenas a tal reunião. Há um conjunto de fatos. Golpe de Estado é um delito de empreendimento. Muita gente tem funções e tarefas.

E essas condutas devem ser analisadas em conjunto. Muitas das condutas, tomadas individualmente, constituem ações neutras, mas no conjunto implicam início de execução. Assim, em uma reunião na Presidência da República — e não em um bar —, em que se trabalha explicitamente o tema da sedição, está claro que a resolução para desacreditar as eleições e as propostas de virar a mesa antes delas, etc., integram o conjunto da obra como tentativa de golpe. Dali para frente, basta executar (mas não precisa executar; o crime é meramente “tentar”). Diga-se de passagem, que esses delitos se denominam delitos de empreendimento, Unternehmungsverbrechen — lembra bem o grande penalista Juarez Tavares. Assim se chamam justamente porque implicam mesmo um empreendimento coletivo com divisão de tarefas.

Desculpem, mas onde vai parar esse país? O que é um golpe de Estado, afinal? Por aqui chegamos ao paroxismo de que, para conceitual golpe, é preciso que ele seja vencedor? Lendo alguns juristas, parece que a resposta é afirmativa. Sem golpe não tem golpe.

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