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Países vizinhos afetam eleição municipal nas fronteiras do Brasil

Cerca de 11 milhões de brasileiros vivem na faixa de fronteira
03/10/2024 | 04h00

Lucas Pordeus León — Agência Brasil

Para cerca de 11 milhões de brasileiros que vivem perto das fronteiras, a eleição municipal é também um assunto internacional, uma vez que essas pessoas vivem em cidades localizadas na chamada ‘faixa de fronteira’. A área representa 16% do território nacional, com largura de 150 quilômetros a partir da linha que divide o Brasil dos seus dez vizinhos sul-americanos.

Especialistas consultados pela Agência Brasil destacam que a realidade municipal da fronteira tem uma dimensão internacional que exige dos prefeitos e vereadores capacidade diplomática e boa articulação com os governos federal e estadual.

“Os municípios das fronteiras precisam desenvolver uma diplomacia paralela que exige uma discussão dos dois lados para destinação de resíduos sólidos, para captação de recursos, transporte escolar e combate à dengue, por exemplo”, explica o professor Tomaz Espósito, coordenador do mestrado de fronteiras e direitos humanos da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), em Mato Grosso do Sul (MS).

Existem 588 municípios dentro da faixa de fronteira. Desses, 124 cidades estão na linha que divide o Brasil da Venezuela, do Paraguai, da Bolívia, da Argentina, entre outras nações. Além disso, no Brasil há 33 “cidades-gêmeas”, que são municípios com forte integração com uma cidade do país vizinho.

São cidades-gêmeas, por exemplo, Guajará-Mirim (RO) e Guayaramerín, na Bolívia; Ponta Porã (MS) e Pedro Juan Caballero, no Paraguai; e Pacaraima (RR) e Santa Elena de Uairén, na Venezuela.

Por sua condição de vizinhos de outros países, os municípios de fronteira enfrentam desafios próprios como imigração, contrabando internacional, forte presença do crime organizado, ausência de projetos de desenvolvimento econômico local e alta evasão escolar.

fronteiras

Imigração e moradia: desafio nas fronteiras

As políticas municipais para moradia popular podem resolver os problemas que a imigração trouxe ao estado de Roraima (RR), avalia a agricultora familiar Maria Ferraz de Matos, de 53 anos. Ela coordena a Cozinha Solidária no estado, projeto do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) que oferece refeições gratuitas para pessoas em situação de pobreza.

“Você anda em Boa Vista [RR] e encontra mulheres, homens e crianças venezuelanas dormindo no chão. Temos aqui um déficit habitacional muito grande. Tem também muita família brasileira vivendo de fazer bico para pagar aluguel e vem comer aqui na Cozinha Solidária”, conta.

O intenso fluxo migratório tem acirrado os ânimos entre brasileiros e venezuelanos em Roraima. “O brasileiro fica chateado porque acredita que os venezuelanos têm mais direito do que ele. Muitas vezes tenho que mediar conflitos entre os dois grupos”, diz Maria Ferraz.

Para a coordenadora, as prefeituras devem promover políticas de moradia que ajudem tanto os brasileiros quanto os venezuelanos. “Tem muita terra aqui que poderia ser usada para política de moradias. Porém, como os venezuelanos não votam, parece que os candidatos não se preocupam com eles”, avalia.

Promover políticas para moradia é um dever constitucional que também é dos municípios, como determina o Artigo 23 da Constituição brasileira.

Integração latino-americana nas fronteiras

O parágrafo único do Artigo 4º da Constituição, dispositivo que define os princípios das relações internacionais do país, afirma que o Brasil “buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

O professor Tomaz Espósito destaca que a integração é diária nos municípios das fronteiras e sugere que as prefeituras promovam projetos para que a população brasileira possa ser atendida no país vizinho e vice-versa.

“Na fronteira do Brasil com o Uruguai já vimos projetos em que há troca de oferta de serviços médicos, com brasileiras indo realizar tomografia no Uruguai e uruguaios realizando hemodiálises no Brasil. Pode-se criar arranjos para que a fronteira deixe de ser apenas um obstáculo e se torne de fato a integração. O Brasil começa na fronteira”, diz o especialista.

Para o presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), Luciano Stremel Barros, os municípios sozinhos não têm estrutura financeira e administrativa para enfrentar os graves problemas das fronteiras brasileiras e, por isso, as autoridades locais devem ter boa capacidade técnica e de gestão.

“O principal ponto é buscar gestores que tenham capacidade ou que possam, em conjunto com a sociedade, ter condições técnicas mínimas para trabalhar aspectos legislativos e administrativos. O tanto que o país perde em corrupção ele perde também com má gestão”, avalia o presidente do Idesf, com sede em Foz do Iguaçu (PR), na fronteira com o Paraguai.

 

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