Marcos Feres*
Setenta e seis anos após o início da Nakba, em árabe, a Catástrofe, nome escolhido pelos palestinos para se referir à limpeza étnica de mais de 750 mil palestinos de suas casas entre 1947 e 1951, estamos assistindo à mais sangrenta etapa do genocídio continuado do povo palestino desde o surgimento da ideologia racista, colonial e supremacista batizada de sionismo, ainda no século XIX. 2023 também há de ser lembrado como a falência completa, moral e política, da ONU, da comunidade internacional e do dito Ocidente, que permite que um genocídio tão abertamente declarado se desenrole diante de nossos olhos em pleno século XXI. O ano de 2023 também expôs, aos que ainda não sabiam, o mito da imprensa livre e imparcial, tão querida nas ditas democracias liberais. Nunca, em tão pouco tempo e em dose tão concentrada, ficou tão flagrante a atuação da imprensa comercial a favor de seus próprios interesses.
O projeto de limpeza étnica e colonização da Palestina entra em 2024 em um momento definidor da história. Antes do 7 de outubro, caminhávamos a passos lentos para o esvaziamento da causa Palestina, a consolidação do apartheid e a anexação do restante da Palestina Histórica por Israel. É difícil saber o que virá a seguir na Palestina. A única certeza é que não há retorno ao status quo da ocupação militar ilegal, do cerco que faz de Gaza o maior campo de concentração da história e do apartheid na Palestina.
2024 pode ser o ano em que o mundo vai finalmente lidar com a injustiça histórica com o povo palestino. Frear o sionismo e obrigar que Israel sente à mesa e respeite o consenso internacional, o direito à autodeterminação do povo palestino e cesse o apartheid e a ocupação militar ilegal que já dura 56 anos. Uma solução política e duradoura, como gostam de dizer alguns “especialistas” em tudo, menos na Palestina. Se fossem especialistas na Palestina, saberiam que o sionismo desconhece a linguagem da diplomacia e da paz. Afirmariam, como afirma qualquer pessoa que conhece a história política da Palestina, que os termos estão postos há muito tempo e que Israel é que se recusa a cumpri-los.
Particularmente, não sou muito otimista. Acredito que 2024 não será diferente do último quarto de 2023. Lamento soar apocalíptico, mas minha perspectiva é que 2024 será o ano do aprofundamento da falência moral e política do Direito Internacional e das instituições construídas justamente para evitar que os horrores que o mundo viveu na Segunda Guerra Mundial se repetissem. Assistiremos a uma limpeza étnica de proporções bíblicas? Não faltam provas de que Israel quer expulsar ou matar 2,3 milhões de palestinos de Gaza para o Egito. O que virá na sequência? Finalizar o serviço iniciado em 1947 e expulsar os palestinos da Cisjordânia também? Ou ainda, será que 2024 nos reserva um conflito regional no Oriente Médio? Quem sabe, talvez, até global. Por que não?
A Palestina é a prova de que não vivemos em um mundo pós-colonial. Ainda carregamos os fantasmas de um mundo construído às custas da espoliação, da opressão e da dominação de um povo sobre outro. 2024 pode ser o ano em que o dito Ocidente vai lidar com as próprias injustiças que fomentou em toda a história moderna. Pode ser o ano da conciliação, da justiça e da renovação da esperança de que é possível, sim, viver em um mundo justo, tolerante e plural. Um mundo decolonial. Por outro lado, 2024 também pode ser ano da consolidação do supremacismo, do fascismo, da intolerância. O ano em que assistiremos ao maior genocídio do século XXI.
*Palestino e coordenador de comunicação da Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL)
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