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Pastor que pede doação de R$ 1 mil é criticado por evangélicos de várias denominações

Valdemiro Santiago promete que fiel que doar terá como retorno um “empreendimento espiritual”.
06/12/2023 | 11h21

Teve grande repercussão o vídeo postado nas redes sociais nos últimos dias pelo pastor Valdemiro Santiago, em que o líder da Igreja Mundial do Poder de Deus pede a contribuição de mil reais por mês de fiéis para que possa concluir uma obra. O fiel que doar teria como retorno um “empreendimento espiritual”.

Veja o vídeo:

O ICL Notícias foi ouvir personalidades do meio evangélico, ligadas a várias denominações, para comentar o comportamento de Valdemiro Santiago.

Romi Bencke, pastora luterana

“O que o pastor Valdemiro faz chama-se extorsão. Urge em nosso país a discussão sobre liberdade religiosa para que pessoas como ele, que se valem do título religioso e do discurso sobre Deus, respondam criminalmente por esse tipo de prática extorsiva. É claro que igrejas, assim como todas as organizações da sociedade civil, precisam de doações de seus membros. No entanto, igrejas que são sérias fazem prestação de contas às suas comunidades indicando quais são os projetos diaconais desenvolvidos com o dinheiro da doação. Desde a perspectiva evangélica, Deus é graça. Ele não cobra para amar as pessoas. Portanto, em um país com tamanha desigualdade como o Brasil, mobilizar o medo das pessoas e suas desesperanças para extorquir é má fé”.

Valdemar Figueredo, pastor batista

“Após assistir o vídeo em que o Valdemiro Santiago pede aos crentes para que se comprometam com a oferta mensal de R$ 1.000,00, com prazo para começar, mas sem limite para terminar, tentei contextualizar o apelo do controvertido apóstolo. Daí percebi que não faz qualquer diferença revelar a data e o lugar em que tal campanha aconteceu. O empresário e televangelista em questão sempre fez esse tipo de investida em que o fiel é desafiado a provar a sua fé através de doação do dinheiro que não tem.

No vocabulário do Valdemiro Santiago, a igreja é um empreendimento, o dízimo é obrigação e as ofertas especiais nas campanhas soam como sacrifícios. Esse tipo de negócio funciona para os participantes como investimentos com o potencial de mudar a vida de patamar. Cria-se a expectativa de milagres em que males físicos são curados, mas, sobretudo, o dinheiro ofertado para além do dízimo retorne espiritualmente corrigido. Valdemiro é um empreendedor que fez uma opção preferencial pelos pobres enquanto nicho de mercado”.

Eliel Batista, pastor pentecostal

“No Evangelho de João, Jesus se apresenta como o Bom Pastor, em um contraste marcante com aqueles que ele chama de mercenários. Estes últimos são indivíduos que, motivados apenas pela ganância, não demonstram qualquer empatia ou cuidado pelas ovelhas que deveriam proteger. Assim são os pastores que usam a fé para alcançar seu objetivo de acumular riquezas.

A argumentação desses mercenários é paradoxal e ilógica. Como pode o Criador do Universo, a fonte de toda a riqueza e abundância, depender do dinheiro dos menos afortunados? Se a bênção divina realmente recai sobre quem doa, por que esses mercenários não doam tudo o que têm, e como dizem, até o que não têm, para os necessitados? Dessa forma, receberiam as bênçãos que tanto prometem. No entanto, como sua proposta não é genuína, eles se protegem pela falta de regulamentação destes casos em nossa sociedade.

Isso não é uma questão de liberdade religiosa, mas sim um abuso no uso da liberdade. Eles se sentem livres do bem e do mal porque se sentem protegidos pela Lei da liberdade religiosa. Em um país marcado por uma profunda desigualdade social, é fácil criar uma dependência de milagres como solução. Isso é abuso. O papel da igreja deve ser promover e lutar pela justiça social e jamais explorar ainda mais um povo já sofrido e trabalhador.

Aproveitar-se da angústia das pessoas e de seu desejo de superação, prometendo algo cuja responsabilidade de cumprimento recai sobre Deus, enquanto quem promete não assume nenhuma responsabilidade, é injusto, pecaminoso, abusivo e deveria ser considerado crime.

O Cristo que este tipo de pastor afirma seguir denunciou e lutou contra o abuso do poder religioso e em favor dos pobres e oprimidos, Justamente por isso foi condenado. Ele nunca pediu dinheiro a ninguém. Pelo contrário, quando o povo estava com fome, ordenou aos seus apóstolos que compartilhassem, não pediu dinheiro para abençoar. Se estes apóstolos fossem verdadeiros, carregariam no corpo as marcas do Cristo servo sofredor e não as evidências de que servem a Mamon”.

Nilza Valeria Zacarias, jornalista, batista, coordenadora da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito.

“Vi o vídeo agora: infelizmente nada novo, a mercantilização da fé é um problema muito antigo. Inclusive, essa é uma das inquietações que resulta na reforma protestante. De forma institucionalizada, a igreja romana vendia indulgências. O que Valdimiro faz, do seu modo, é vender indulgências. É trocar favores com Deus, pois é muito mais fácil trazer para si mesmo a responsabilidade de “mudar de patamar”, de apostar na própria crença como sinônimo de prosperidade.

É lamentável que dentro do campo evangélico haja esse tipo de desvio . É necessário recuperar os valores perdidos da reforma protestante, ou reafirmá-los. O que Valdomiro e líderes como ele fazem é um envelopamento novo de uma prática oriunda do catolicismo, que também coloca esses pastores como figura central da igreja que lideram. Crentes, os filhos da reforma, não são assim. Sabem que a vida comunitária, através da leitura livre do texto sagrado, é um fundamento – e o pastor é um instrumento, é um cuidador, não o que pratica extorsão em nome de benesses.

Por outro lado, temos os que respondem a esses pedidos. Não são presas fáceis na mão de homens como Valdomiro. Não vou negar a autonomia de ninguém, vou apenas dizer que temos um sistema excludente, e por mais contraditório que possa parecer, esses atos de fé significam desejar caminhos que, de outra forma, não serão abertos. E, o mais incrível, é que muitas vezes funciona. Não sei como, não sei o porquê, sei que são poucos os que se arrependem.

Crer, dessa forma, pode ser mais uma forma de se mostrar contra o sistema. Não é assim com apostadores? Não é a esperança do desespero?

Valdomiro e sua turma sabem que a esperança é um triunfo, e se valem disso. Confundem fé com esperança”.

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