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Paulo Freire, 102 anos: por que a extrema direita odeia tanto seu legado?

André Graziano presta homenagem ao patrono da Educação do Brasil e mostra como o trabalho pioneiro de alfabetização de adultos é até hoje é alvo de críticas infundadas e mentiras
19/09/2023 | 14h50

“Em primeiro lugar, eu sou Paulo Freire, nasci no Recife há muito, muito tempo atrás”. É assim que o homem que, anos mais tarde, se tornaria o patrono da Educação do Brasil, se apresentou em 1985 em uma gravação para a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Não que precisasse. Paulo Freire, nascido há exatos 102 anos, já era um dos rostos mais conhecidos do mundo acadêmico não só no Brasil, mas em todo o mundo.

Mesmo tendo desenvolvido um trabalho pioneiro na alfabetização de adultos, são comuns os ataques da extrema-direita à sua figura. Mas por que será que, anos após sua morte (em 2 de maio de 1997), a obra de Paulo Freire ainda recebe tantas críticas (infundadas, diga-se de passagem) e é alvo de mentiras?

“Essa demonização ocorre porque tem uma conscientização [no trabalho de Freire]. E a extrema-direita confunde essa conscientização com doutrinação”, avalia a professora Claudia Regina Vieira, educadora e pró-reitora de Assuntos Comunitários e Políticas Afirmativas da Universidade Federal do ABC (UFBAC). “O fato de Paulo Freire conscientizar os oprimidos criou um enorme incômodo nesses setores [da elite]”, diz o escritor Frei Betto, que foi amigo de Paulo Freire e escreveu com ele o livro “Essa Escola Chamada Vida”.

Basicamente, a metodologia Paulo Freire consiste na valorização do saber e do conhecimento adquirido fora da sala de aula, até mesmo de pessoas que nunca sentaram em um banco escolar. “As construções e os textos das cartilhas eram montados para decodificar letras. O conceito de Freire é usar textos trazidos das experiências das pessoas”, explica Claudia Regina.

Embora especule-se (e minta-se) muito sobre o impacto de Paulo Freire na educação infantil, o foco de seu trabalho era na alfabetização de adultos. Em 1963, liderou uma iniciativa em Angicos, no Rio Grande do Norte, que alfabetizou cerca de 300 adultos com 40 horas/aula. Até o presidente João Goulart simpatizou com a ideia, mas a proposta foi interrompida pelo golpe militar de 1964.

Na ditadura, Paulo Freire foi preso e acabou se exilando no exterior por quase 16 anos. “Vem toda uma vida de andarilhagem que eu experimentei. Trabalhei primeiro no Chile, depois nos Estados Unidos e, depois, morando em Genebra, na Suíça, mas me estendendo mundo afora”, contou Freire na palestra na Unicamp em 1985.

Em uma palestra na USP em 1994, Paulo Freire fez uma reflexão de sua trajetória: “Se vocês me perguntarem: ‘Paulo, se você tivesse agora 30 anos, começaria tudo de novo?’ [Começaria] tudo de novo! Se na reencarnação eu me lembrasse do meu passado, da minha vida anterior, eu seria mais radical na minha compreensão da liberdade. No meu respeito à liberdade. Não à licenciosidade, mas a essa liberdade que se sabe liberdade.”

 

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