Por Lucas Leite*
A possibilidade de Donald Trump retornar à Casa Branca não representa apenas mais uma alternância de poder nos Estados Unidos — simboliza uma ameaça existencial aos próprios fundamentos do sistema democrático, não só nos Estados Unidos, mas em escala global. O ex-presidente, que já tentou um golpe de Estado em 6 de janeiro de 2021 e continua a negar sua derrota eleitoral, agora promete “retaliação” contra seus adversários políticos e “sou sua vingança” aos seus apoiadores.
As consequências de um retorno de Trump ao poder seriam devastadoras para a já fragilizada ordem internacional. Seu primeiro mandato serviu como um catalisador para movimentos autoritários ao redor do mundo, legitimando táticas antidemocráticas e normalizando o extremismo. Um segundo mandato, livre das amarras constitucionais que ele agora conhece bem como contornar, seria ainda mais perigoso — vide a incapacidade da Justiça americana em julgá-lo e puni-lo pelos crimes cometidos durante seu mandato. Na política externa, Trump já deixou claro seu desprezo por alianças democráticas e sua admiração por autocratas. Sua promessa de resolver rapidamente a guerra na Ucrânia nada mais é que uma rendição premeditada a Vladimir Putin. No Oriente Médio, seu alinhamento incondicional com a linha-dura israelense e o abandono completo da causa palestina ameaçam aprofundar um conflito que alimenta um genocídio já em andamento. A política de Trump para a região sempre foi pautada por uma visão simplista que favorece soluções autoritárias em detrimento de processos democráticos complexos.
Mas é talvez na política doméstica americana que reside o maior perigo. Trump não esconde mais suas intenções autoritárias. Promete usar o Departamento de Justiça para perseguir opositores, planeja expurgos no serviço público para substituir funcionários de carreira por leais seguidores, e fala abertamente em acabar com a “burocracia do Estado profundo” — código para desmantelar as instituições democráticas que resistiram às suas tentativas anteriores de subversão constitucional. Este cenário americano tem repercussões globais imediatas. Um Trump reempossado seria um poderoso aliado para a crescente onda de líderes autoritários e movimentos de extrema direita ao redor do mundo. Da Hungria de Orbán à extrema direita europeia, passando por movimentos autoritários na América Latina, todos se beneficiariam de um presidente americano que não apenas tolera, mas ativamente promove o desmantelamento de salvaguardas democráticas.
A OTAN, mais que uma aliança militar, é uma das bases para a manutenção do ordenamento atual e do poder dos Estados Unidos. Seu enfraquecimento sob Trump não seria apenas estratégico, mas ideológico, minando a ideia de que o Ocidente deve se unir contra ameaças comuns e isolando os EUA de seus aliados tradicionais. Seu desdém por instituições multilaterais como a ONU e a União Europeia reflete um desprezo mais amplo pelo próprio conceito de cooperação internacional. Na relação com a China, embora Trump se apresente como linha-dura, pouco fez quando governou e viu o pragmatismo vencer nas negociações comerciais. O impacto em democracias mais jovens seria particularmente devastador.
O exemplo americano sob Trump — de que regras democráticas são descartáveis e instituições podem ser subvertidas — fornece um manual para aspirantes a autocratas em todo o mundo. Sua retórica contra a imprensa livre, sua disposição para usar o poder do Estado contra opositores e seu desrespeito por normas democráticas básicas já inspiraram imitadores globalmente. O momento é especialmente perigoso porque coincide com um período de fragilidade democrática global. A democracia liberal enfrenta uma crise de legitimidade sem precedentes, com dados alarmantes do V-Dem Institute mostrando que 72% da população global já vive sob regimes autocráticos, retornando aos níveis de 1986.
O relatório Freedom in the World 2023 documentou o 17º ano consecutivo de declínio nas liberdades globais, com 35 países sofrendo deterioração em seus direitos políticos e liberdades civis apenas em 2022. E ainda segundo o Democracy Index da Economist Intelligence Unit, apenas 8% da população mundial vive hoje em democracias plenas. Um segundo mandato de Trump aceleraria dramaticamente essa tendência de erosão democrática global.
Para as forças democráticas globais, a ameaça é clara e presente. Um retorno de Trump não seria apenas mais um capítulo na política americana, mas possivelmente o início do fim da ordem internacional que definiu o último século. A ascensão de movimentos de extrema-direita em diferentes países não é coincidência, mas parte de um movimento coordenado que teria em Trump seu mais poderoso aliado.
A escolha que os americanos farão nas urnas terá repercussões muito além de suas fronteiras. Para democracias em todo o mundo, um segundo mandato de Trump poderia ser o ponto sem retorno, o momento em que o pêndulo da história deixa de oscilar entre progressos e retrocessos democráticos para se fixar firmemente na direção do autoritarismo. O mundo não deveria se dar ao luxo de observar passivamente enquanto esse cenário se desenha.
*Professor Adjunto de Relações internacionais da FAAP, atualmente conduz pesquisa de pós-doutorado em História da Política Externa dos Estados Unidos na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). É doutor em Relações Internacionais PPGRI San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUCSP).
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