As últimas semanas foram intensas com o tema que ganhou as manchetes e debates em todas as esquinas: O PL 1904/24, que prevê, entre muitos absurdos cruéis, prisão por homicídio para mulheres grávidas acima de 22 semanas que abortarem, mesmo tendo sido vítimas de um estupro.
Os desdobramentos disso vão longe e acertadamente estão sendo esmiuçados pela mídia nacional e especialistas de toda ordem. No entanto, é como dizem, não há nada que seja ruim e que não possa ficar muito pior.
O que pouca gente está lembrando é que o Brasil é medalha de bronze em um triste pódio: o do super encarceramento feminino mundial. Só perde para Estados Unidos e China segundo o levantamento do World Female Imprisonment List, feito no final de 2022 com dados de 2021. Ainda de acordo com o estudo, esta população quadruplicou em 20 anos. Repetindo, quadruplicou.
Atualmente, o site do Conselho Nacional de Justiça informa que 29.487 mulheres estão detidas no país. Alguém advinha qual o perfil destas detentas?
Quando as grades de um presídio se fecham, elas pesam de maneira diferente para homens e mulheres como, aliás, tudo na sociedade brasileira. São grades que caem aniquiladoras nas vidas da maioria composta por mulheres negras e pobres, que são arrimo para suas famílias.
Junto com ela, vão para o cárcere os filhos bebês ou ainda não nascidos, arruínam-se os que ficam fora e um abismo se aprofunda com o estigma da prisão, pois, diferente do mundo masculino da detenção, não há visita para a esmagadora maioria das mulheres em um presídio. A sociedade a encara como monstro e a abandona por completo.
Caso o projeto de lei em debate seja adotado, mais e mais gente passará a integrar o sistema penitenciário engrossando as estatísticas que já são tenebrosas sem este aditivo.
Pelo que tudo indica, o Brasil está se esforçando para assumir o topo do ranking de cadeias lotadas, em precárias condições, com arquitetura pensada para homens, hostil mais do que o habitual para as mulheres.
Mas pensar em melhorar o país ao invés de complicá-lo não parece estar nos planos de deputados e deputadas que só pensam no oportunismo eleitoreiro barato. Super lotar prisões, deixar ao relento famílias inteiras e outras crianças aumentando os problemas estruturais nacionais ao invés de mitigá-los.
Este parece ser sempre o objetivo de bancadas que a última coisa em que pensam é em “amar ao próximo como a si mesmos”. Deliram em interpretações religiosas e informações deturpadas que fazem questão de disseminar em larga escala. Segundo estes doutrinadores, não há vida nas meninas e nas jovens que buscam interromper uma gestação.
Considerando que a maioria dos estupros e violências contra a mulher acontecem dentro de casa ou em ambientes conhecidos, não lugar seguro. É de casa para os hospitais, destes para os tribunais e das cortes, para as prisões. Há ainda um quinto e um sexto lugar neste périplo dos horrores: a clínica clandestina e, não raro, o cemitério.
Nem tudo é má notícia. “Nem presa e nem morta”, são as palavras de ordem na onda de manifestações país afora, numa demonstração de que algo se move no debate sobre o aborto no país. Sigamos. É preciso estar atenta e forte, pois quem despreza a vida feminina em grau tão alto não desistirá facilmente.
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