Por Catarina Duarte — Ponte Jornalismo
Mesmo diante de inúmeras denúncias de abusos e do crescimento da letalidade policial, a Polícia Militar (PM) do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) diminuiu os procedimentos internos que apuram infrações e transgressões dos PMs. Levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz mostra que despencou o número de procedimentos administrativos instaurados pela PM de São Paulo de 2023 para 2024.
Entre os dados levantados pelo Sou da Paz estão os números de inquéritos policiais militares (IPMs), sindicâncias, conselhos de disciplina e justificação e de processos administrativos. Os quatro últimos são procedimentos instaurados por agentes da própria polícia. Em todos houve queda. A mais significativa, de 48%, aconteceu nos conselhos de disciplina — aqueles que podem punir com expulsão os praças (soldados, cabos, sargentos e suboficiais).
“Isso chama muita atenção porque estamos vivendo um aumento da letalidade, mas não só. É importante dizer que esses conselhos [que podem resultar na expulsão dos policiais] envolvem infrações graves, como ameaça, extorsão, denúncia de que o policial está aceitando propina, corrupção”, afirma Rafael Rocha, coordenador de projetos do Sou da Paz.
Desde novembro do ano passado, com a morte de Ryan da Silva Andrade, de 4 anos, os questionamentos sobre a política de segurança de Tarcísio aumentaram. Denúncias de atuações criminosas de policiais passaram a se tornar manchetes. Um dos exemplos é do policial Luan Felipe Alves Pereira, de 29 anos, flagrado jogando um homem do alto de uma ponte em Diadema, na Grande São Paulo.
O caso mais recente veio a público nesta quarta-feira (26/2). Uma testemunha gravou a abordagem feita por uma equipe do 21º BPM/M, quando um dos agentes encostou uma arma de fogo no rosto de um dos homens abordados em tom de ameaça, após agredi-lo com um tapa. “Você é moleque. Você tá entendendo, tio? Tem que ser na cara para estragar o velório”, disse o PM.
Também ganhou destaque no noticiário um elo entre policiais militares e a facção Primeiro Comando da Capital (PCC). Agentes da polícia de Tarcísio teriam participação na morte de Vinícius Gritzbach — que ficou conhecido como delator do PCC e que foi morto ao desembarcar no Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos em novembro do ano passado.
A queda nas punições internas contrasta com o aumento de mortes cometidas pela Polícia Militar no ano passado. Segundo dados da própria Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP), 776 pessoas foram mortas por policiais militares. O número é 69% maior do que o registrado em 2023.
PM sem controle interno
Outra queda acentuada registrada pelo levantamento do Sou da Paz foi nos autos de prisão em flagrante de delito militar — documentos em que se registra esse tipo de ocorrência. Apenas 19 registros desse tipo foram feitos em 2024, número 48,6% menor que o notificado em 2023.
O número de IPMs também caiu 5,1%. Esse procedimento administrativo apura crimes militares e seus autores. Após sua conclusão, o documento final é encaminhado ao Ministério Público, responsável por oferecer ou não denúncia.
Para Rafael Rocha, os números causam incredulidade diante de tantas denúncias de violência, mas fazem eco aos discursos de Tarcísio e de seu secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite. “Eu acho que casa perfeitamente com essa ideia de que o policial não vai ser mais punido, essa ideia de que o policial que usa a força é perseguido”, diz.
Esse tipo de colocação, lembra Rafael, não se restringe ao atual governo bolsonarista. Durante a gestão de João Dória (então do PSDB), o governante chegou a afirmar que contrataria advogados para defender PMs suspeitos de assassinatos.
“Agora nós voltamos para esse momento em que o policial está sendo cada vez menos responsabilizado internamente pela Polícia Militar por infrações graves, repito, denúncias que têm que ser apuradas”, sustenta o pesquisador.
O que são os procedimentos?
Os procedimentos administrativos disciplinares (PAD) são aplicados para julgar transgressões, como, por exemplo, atraso, uso de uniforme sujo ou embriaguez em serviço. Já as sindicâncias são procedimentos que só podem ser instaurados por comandantes de batalhão, de grande comando ou pelo comandante-geral por meio da Corregedoria. Elas servem para infrações disciplinares de apuração complexa.
São exemplos: furto de material, acidente com a viatura e até mesmo extorsões feitas por policiais. Ao final da apuração, os encarregados podem determinar uma punição ao agente. Essa punição é feita por meio dos conselhos de disciplina e justificação — que podem resultar na expulsão do policial.
Os conselhos de disciplina e justificação funcionam como um passo seguinte aos procedimentos anteriores. A diferença entre os dois está em para quem ele se aplica — o de justificação para oficiais e o de disciplina para praças. Quando instaurados, ambos servem para verificar se, diante da infração, o policial tem condições de permanecer na polícia ou não.
O que diz a SSP-SP
A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) questionando o motivo da queda nos números. A pasta respondeu com a seguinte nota:
A Polícia Militar ressalta que é uma instituição legalista e não compactua com desvios de conduta de seus agentes, punindo exemplarmente aqueles que infringem a lei e desobedecem seus protocolos. Prova disso é que, desde o início da gestão, 206 policiais militares foram demitidos ou expulsos, resultado do fortalecimento do trabalho disciplinar. Com relação aos casos de morte em decorrência de intervenção policial (MDIP), em todas essas ocorrências, obrigatoriamente são instauradas comissões de mitigação de riscos. Os processos são de responsabilidade do comandante da unidade envolvida na ocorrência e devem ter a sua primeira fase instaurada em até cinco dias úteis. Paralelamente às comissões, por determinação da Secretaria de Segurança Pública (SSP), todos os casos de MDIP são rigorosamente investigados pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das respectivas corregedorias, além do Ministério Público e do Poder Judiciário.
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