ICL Notícias
Sociedade

Por que os governos de esquerda fracassam na Segurança Pública

Há entre os policiais sólido número que entende que ‘governos de esquerda’ são inimigos da segurança pública
27/02/2025 | 14h41
ouça este conteúdo
00:00 / 00:00
1x

Por Pedro Chê*

O fracasso, se entendido como um estigma, é fruto de um preconceito, de uma ordem pré-concebida e isso vem sendo associado à esquerda brasileira quando o discussãp envolve polícia e segurança pública há pelo menos 10 anos. Essa forma deturpada de entender que o fracasso não é fato, mas contexto, domina as reflexões e inconscientes de grande parte dos atores envolvidos. Pena que parte da esquerda vem acreditando nisso, embora um outro quinhão ainda disponha a algumas tentativas de ruptura, sob velhas e malogradas fórmulas políticas.

Imagino a hesitação e angústia de seus dirigentes, comparável só a de Édipo ao descobrir que não conseguiu fugir de seu destino, pois se um governo de esquerda opta por agir, quase tudo o que faz soará como errado, se resolve se omitir, é de igual forma criticado. Mas como nada existe por acaso, cabe a gente buscar entender o porquê, tentar encontrar um remédio que solucione, pois o adágio popular ‘o que não tem remédio, remediado está’ não nos serve mais.

O primeiro elemento que pode nos ajudar nessa odisseia reflexiva está localizado em nosso dia-a-dia, bem perto da gente, pois a quem cabe o importante papel de referência social sobre o assunto, se não ao nosso ‘vizinho’ policial? Ele, agente interno das estruturas e com informações privilegiadas, tem o que chamam de ‘lugar de fala’. Ou seja, são eles que vão dizer se as coisas estão indo bem ou não.  Há entre os policiais um sólido número que entende que ‘governos de esquerda’ são inimigos da segurança pública e deles mesmos. Portanto, temos de ter em conta que para eles uma crítica a governos de esquerda é quase uma premissa.

Tal entendimento, resumindo o que não daria para resumir, se não é exatamente novo, ganhou volume a partir da década de 2010. Segue se alimentando alimentando a partir de duas fontes, uma delas a ausência completa de políticas estruturantes por parte desses governos, a outra a prática militante que se reduz ao mero denuncismo das más práticas policiais. Baseandos nessas duas percepções, a classe policial entendeu que o objetivo da esquerda (estou aqui generalizando, me perdoem) nunca teria sido o de melhorar as polícias, mas sim de enfraquecê-las (a partir das críticas) para que em dado momento deixassem de existir. Não posso dizer que esse é um pensamento delirante, já que essa utopia está no projeto de diversos agrupamentos políticos do campo. Por óbvio que não é apenas isso, mas como disse, estou a resumir o que não dava para ser resumido.

E aqui chegamos ao dilema. Tendo subido a rampa um projeto de esquerda, surge a necessidade da relação e como estes governos vem gerindo isso? Dez entre dez (para ser bondoso) governadores de esquerda (poderiamos incluir os presidentes? Não e sim, mas é papo para outro artigo) vem utilizando uma mesma tática política: pactuam com as elites policiais, sob a promessa de uma ‘contenção’ da base – visando diminuir sabotagens e outras mesquinharias -, tendo essa elite como ‘pagamento’ uma interferência mínima (sendo gentil) na gestão das instituições (o que não nos enganemos é bem-vindo pela alta burocracia dos governos, pois entendem pouco ou nada sobre o tema), restrição essa que alcança a escolha dos respectivos comandos (pessoas que – normalmente – eram desconhecidas até a trama política para a formulação do pacto).

Dessa escolha surgem muitos efeitos colaterais. A que mais lamento é a desistência de qualquer disputa política e programática dentro das instituições. Não vamos nos fazer de inocentes, por favor! Pois os diferentes campos políticos e seus respectivos programas estão presentes e em disputa dentro das instituições, e o que essa medida produz não é uma pax via neutralidade, mas uma adesão silenciosa e sublimação do grupo dominante – por vezes até ligado à oposição, pasmem! Dessa ‘neutralidade’ temos um derretimento dos polos e das disputas programáticas, surgindo uma grande pangeia, um continente político solo a se chamar ‘corporativismo conservador unificado’.

Esse corporativismo atuará tendo em perspectiva três desejos: as classes subaltenas – mesmo que inconscientemente – percebem que o único instrumento mutável é o contracheque –  e concentrarão suas lutas nisso, desejo também compartilhado pelas classes dirigentes – entendendo estas que o seu lugar de ‘dignidade’ será alcançado ao tocarem no ‘teto’ do respectivo funcionalismo. Mas além desse desejo financeiro, essa classe se colocará numa busca ininterrupta por mais poder e ‘autonomia’. O último desejo, e o mais prejudicial, é a manutenção do status quo das polícias, ou seja, a preservação de sua cultura e forma de atuação.

Em virtude dessa quimera tectônica e política, os governos se encontram constantemente encalacrados, e o mais absurdo – sem a permissão para usufruir de quaisquer ganhos políticos – e aviso, nem adianta espernear. Assim, caso o governo decida estabelecer uma política de recomposição de salários e de reforma de carreira, o último resultado certo será ‘amansar’ os ânimos e diminuir o descontentamento (sob prazo de validade curtíssimo). E mesmo que o governo consiga reduzir índices de criminalidade, pouco importa – pois tanto há a estigmatização – como não há grupo político que defenda seus feitos dentro das instituições (é clausula oculta do pacto: um afastamento progressivo dos quadros alinhados não apenas dos lugares de decisão – mas também nos de aconselhamento). Há aqueles que ainda insistam, tentando se desvencilhar da veste de espinhos com que se agasalharam e invistam em fotos publicitárias, entregas de medalhas, inauguração de prédios, o que apresenta pouco ou nenhum resultado objetivo.

Claro que é difícil ver isso do lado de lá, imagino o trabalho que fazem, por consideração e autopreservação, os auxiliares desses governantes, ao tentar fazer com que acreditem que são queridos, que a ‘classe policial’ considera que fazem um bom trabalho. Imagino, enquanto escrevo, seguinte cena: um auxiliar enviando um whatsapp – trazendo boas novas – e o governador contente e regozijado com os resultados, pena que esta realidade não sobrevive ao lado de fora do gabinete. Com as escolhas que foram feitas, como seria diferente? E assim seguem sendo recebidos nos eventos públicos com sorrisos, elogios, deferências, as mesmas feitas antes de qualquer motim ou golpe.

Relacionados

Carregar Comentários

Mais Lidas

Assine nossa newsletter
Receba nossos informativos diretamente em seu e-mail