Nara Lacerda — Brasil de Fato
A primavera no Brasil começa oficialmente neste domingo (22) a partir das 9h44 da manhã. As expectativas em torno da estação em 2024 são grandes, já que o Brasil vive uma estiagem histórica este ano, que trouxe recordes de incêndios e queimadas e deixou 60% do território nacional coberto por fumaça.
Segundo o Prognóstico Climático divulgado pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Brasil deve ter mais chuva nos próximos três meses. No entanto, na maioria das regiões, o volume será menor que a média comum e a seca ainda vai atingir algumas áreas.
A primavera no Brasil é o período em se observa um processo chamado de convergência de umidade, que começa na Amazônia. Ele ocorre quando massas de ar úmidas se encontram e criam uma espécie de corredor de nuvens e chuva. O fenômeno define as características das chuvas das regiões Sudeste, Centro-Oeste e do centro-sul da região Norte.
A meteorologista e técnica especializada do Inmet Danielle Barros Ferreira explica que essa mesma dinâmica impacta na circulação da fumaça pelo país.
“A confluência dos ventos que vêm da Amazônia interfere no regime de chuva. Esses próprios ventos também trazem a fumaça da região amazônica e do Pantanal para o Centro-oeste e Sudeste. Então, a partir do momento que há regularização da chuva, essa fumaça tende a diminuir.”
No entanto, o predomínio do tempo chuvoso não deve ser tão expressivo este ano. Em todas as regiões, as medições do Inmet e do Inpe apontam que a chuva estará “abaixo da média climatológica” e as temperaturas irão subir.
Para ampliar as condições mais críticas no Brasil, áreas como o sul da Amazônia podem continuar registrando tempo seco. Esse fator contribui para que as queimadas ainda sejam um desafio.
Segundo Danielle, o cenário atual não pode ser descolado das mudanças climáticas. Ela explica que os impactos da atividade humana no planeta têm potencial de intensificar fenômenos naturais e dificultam a leitura do clima.
“A emissão de gases de efeito estufa também contribui para alterar os padrões do clima, tornando as áreas de várias regiões do planeta bastante vulneráveis a fenômenos extremos, como secas, inundações, ondas de calor e até ondas de frio. Existe uma conexão entre a mudança climática e a previsibilidade. A situação complexa exige um monitoramento, especialmente no contexto de que nós estamos com uma variabilidade climática crescente.”
Ainda de acordo com o boletim, grande parte do Nordeste terá menos chuva, especialmente o Maranhão e o Piauí. O cenário não é incomum nesta época do ano para a região. Mas virá acompanhado de mais calor que o normal. A exceção da estiagem é o sudeste da Bahia, que pode ter volume de chuva normal ou até superior à média.
No Centro-oeste, a primavera também será mais quente e menos chuvosa. No entanto, há possibilidade de que os índices sejam maiores no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul a partir do fim de outubro.
Já o Sudeste terá volumes maiores de chuva nos próximos meses em diversas áreas. Mas o cenário será mais seco em São Paulo e no oeste de Minas Gerais. As duas regiões também devem ter as temperaturas mais intensas dessa parte do Brasil.
Vai ficar mais quente também no Sul, principalmente na parte oeste desta região. Santa Catarina e Paraná terão menos chuva. Mas no Rio Grande do Sul as médias podem até mesmo ficar acima do registrado normalmente.
Primavera: previsões cada vez mais difíceis
O fenômeno La Ninã também pode trazer consequências. De acordo com o Inmet, ele causa redução da chuva na região Sul e aumento do fenômeno no Norte e no Nordeste. Mas as expectativas são de que o fenômeno não atuará fortemente no Brasil.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor Humberto Barbosa, coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), afirma que, mais que o La Niña, é a temperatura do oceano Atlântico que mais deve impactar a primavera brasileira, o que conecta o cenário diretamente às mudanças climáticas.
“Temos primeiros sinais, não só na costa leste, mas em toda a região que pega principalmente o Centro-Sul e sobretudo o Sudeste. A região Sudeste está numa costa com anomalias de temperatura do Atlântico bastante acima da média. Há um aquecimento das águas do mar na costa sudeste, e há um resfriamento de águas no Atlântico entre parte do Nordeste e parte do Sudeste. Isso significa que as frentes frias nos próximos meses, se essas temperaturas permanecerem, vão ter mecanismos para provocar chuva na região Sul e Sudeste sem a interferência do La Niña.”
Barbosa explica que o La Niña mais fraco e o cenário das temperaturas oceânicas podem interferir na dinâmica do caminho e da força das chuvas no território nacional. Isso pode deixar algumas regiões mais secas e ainda propensas a queimadas e má qualidade do ar.
“A zona de convergência começa a descer agora gradativamente, mas nessa condição ela não tem a força normal para se deslocar para próximo do Equador e aumentar ou injetar, principalmente no noroeste da Amazônia, mais umidade. O leste da Amazônia e a região do Matopiba — que envolve Maranhão, Piauí, o oeste da Bahia e Tocantins — podem ter a chuva comprometida. Setembro e outubro, na região do semiárido, é o período do pico da seca e as queimadas vão ocorrer.”
Na conversa o professor pontua que o aumento da temperatura no planeta, observado desde a década de 1980, é inegável. Esse processo, que segue acontecendo, amplia as chances de tragédias climáticas.
“Estamos em condição de eventos extremos. Isso tende a ser cada vez mais frequente e com maior intensidade. Talvez possamos colocar isso como o novo normal climático, ou seja, com as altas temperaturas, a tendência é que cada vez mais os extremos estejam presentes.”
Ele ressalta que os eventos associados às mudanças climáticas ampliam também as dificuldades de previsão das condições futuras, tanto para entender como será o curto prazo quanto para estimar o que pode ocorrer com o planeta nas próximas décadas.
“Os modelos também utilizam os oceanos para fazer uma tendência de mudança climática. Se os modelos estão tendo dificuldades para determinar a tendência sazonal — porque há muita divergência entre os centros operacionais que têm esses modelos para determinar —, imagine a dificuldade na acurácia desses modelos com a previsibilidade para 50 ou 60 anos. É um desafio enorme para a comunidade científica.”
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