Nesta terça-feira, 11 de março, Rodrigo Duterte, que governou as Filipinas entre 2016 e 2022, foi detido no aeroporto internacional de Manila, capital do país, após chegar de Hong Kong.
O ex-presidente tinha um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), que o acusa de crimes contra a humanidade por conta dos assassinatos em massa ocorridos em nome da “guerra às drogas” durante sua gestão.

Duterte (C) é fotografado dentro da Base Aérea de Villamor, em Pasay, na região metropolitana de Manila, depois de desembarcar de Hong Kong. (Foto: PDP Laban/AFP)
O procurador do TPI afirma que cerca de 30 mil pessoas foram mortas (muito mais do que as 6 mil mortes assumidas oficialmente pela polícia) e um relatório da ONU denuncia que os alvos eram em sua maioria homens jovens pobres de áreas urbanas, que a polícia não precisava de mandados para entrar nas casas das pessoas e que sistematicamente forçava meninos a fazerem declarações autoincriminatórias para não morrerem.
Jornalistas e ativistas também foram duramente perseguidos e incriminados durante o governo de Duterte. Uma das mídias mais atacadas pelo ex-presidente foi o portal de notícias Rappler, da jornalista Maria Ressa. Ela também se tornou alvo pessoal do ex-presidente por denunciar os abusos de seu governo e chegou a ser ameaçada de morte em rede nacional, além de ter sido alvo de campanhas de ódio, desinformação, crimes cibernéticos perseguição judicial e chegou a ser presa várias vezes.
Por seu trabalho incansável, recebeu o prêmio Nobel da Paz em 2021.
A jornalista filipina Ana Santos, que trabalha no Rappler, falou à coluna: Duterte não governou. Ele aterrorizou. Durante os seis anos de sua presidência, a violência, a brutalidade e o massacre dos pobres se tornaram seu estado de direito. Sua prisão é o início de algo que não parecia possível: exigir a prestação de contas. Todos nós estamos pensando nas famílias cujos entes queridos foram mortos durante a guerra às drogas. Nada compensará essa perda, mas a prisão de Duterte é simbólica. Finalmente, um reconhecimento de que seus entes queridos não mereciam morrer”.

Maria Ressa com seu Nobel da Paz na premiação de Oslo, Noruega. (Foto: Andersen/AFP via Getty Images)
Duterte foi levado para Haia, na Holanda, onde fica o Tribunal, mas pediu para ser julgado por seus “pecados” nas Filipinas. A escolha do termo já é digna de nota. Pecados, não crimes. Crimes, na visão dos ultraconservadores, são cometidos por “bandidos” ou pelos “traficantes” que o ex-presidente teria condenado à morte. E quem defende bandido, segundo a extrema direita, é a “esquerda dos direitos humanos”. Já pecados são perdoados por um Deus misericordioso, já que somos todos pecadores. Na Bíblia inclusive Jesus defende uma mulher que seria apedrejada até a morte, dizendo a célebre frase “quem entre vocês não tiver pecado, que atire a primeira pedra”.
Se realmente for transferido para Haia, Duterte poderá se tornar o primeiro ex-chefe de Estado da Ásia a ser julgado pelo TPI.
Em entrevista à CNN Internacional quando recebeu o Nobel da Paz, Maria Ressa disse: “O grande problema que nós temos é que muita coisa acontece na escuridão. E o que nós sempre tentamos fazer é continuar fazendo jornalismo, jornalismo de responsabilidade, investigações que tornam os poderosos responsáveis pelo que fazem. Isso se tornou mais difícil com as redes sociais, que permitiram a construção do autoritarismo e de ditadores que exploram os algoritmos, tomam poder e destroem democracias por dentro”. Sua declaração não poderia ser mais atual.
Outros dois chefes de Estado que têm prisão decretada pelo TPI são Binyamin Netanyahu, acusado de ser responsável por assassinato, perseguição e uso de fome como arma de guerra na Faixa de Gaza, e Vladimir Putin, acusado do crime de guerra de deportar ilegalmente centenas de crianças da Ucrânia.
Ainda há um longo caminho para que Duterte seja de fato condenado e preso. Mas o episódio tem peso simbólico em tempos tão escuros. Já pensou se chefes de estado e líderes políticos passassem a ser de fato responsabilizados por cometer genocídios, crimes de guerra, crimes contra a humanidade? Ou, quem sabe, se a moda pega, inclusive ex-presidentes responsáveis pela morte de mais de 700 mil pessoas por má condução e negacionismo da pandemia de covid-19? Que aliás faz cinco anos essa semana?
Que essa terça-feira 11 inspire novos passos nesse caminho de responsabilização e justiça.
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