O projeto de privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), aprovado ontem (6) na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) em sessão marcada por pancadaria, esconde uma engenharia matemática para baixar a conta d’água da população.
Segundo reportagem do UOL, a sugestão de usar o dinheiro da própria venda para bancar a redução é do IFC (Internacional Finance Corporation), empresa contratada pelo governador Tarcísio de Freitas por R$ 45 milhões, para desenhar um modelo de privatização no qual afirma que, sem ajuda estatal, a privatização não será suficiente para baratear a conta.
Trecho do documento diz: “Por mais que a gestão privada seja eficiente com os investimentos e custos operacionais a serem realizados, isso somente não garantiria uma redução das atuais tarifas da Sabesp”. Tanto o governo quanto a Alesp aceitaram a recomendação.
A proposta enviada por Tarcísio e aprovada pelos deputados criou um fundo (Fausp) com 30% do dinheio arrecadado com as ações para “proporcionar modicidade tarifária”. “Ao vender essas ações, você pode usar esse recurso para duas coisas: mais investimentos e para redução da tarifa”, disse ao UOL, em setembro, Natália Resende, secretária estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística.
No entanto, o valor do subsídio e a duração dele é uma incógnita, segundo a reportagem. Até porque ainda há um caminho a ser percorrido para que a privatização da Sabesp seja efetivada.
Na edição de hoje do ICL Notícias 1ª edição, live diária transmitida via redes sociais, o economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, comentou o assunto. Na avaliação dele, no fim das contas, a empresa que vai comprar a Sabesp vai acabar pagando menos pela companhia.
Isso porque a lógica da conta, segundo Moreira, é a seguinte: o governo do estado acaba devolvendo para o comprador da Sabesp parte do dinheiro pago na operação, ao subsidiar a conta d’água da população.
“Com isso, o comprador tá pagando menos pela empresa, todo mundo foi enganado e, daqui a cinco, dez anos, ninguém nem vai lembrar o que a gente falou. E esse dinheiro [para subsidiar as contas] vai acabar, vai explodir o preço e ninguém mais vai lembrar”, disse.
Sobre a privatização da empresa, Moreira comentou: “Ontem a gente viveu mais um capítulo que demonstra cabalmente como a nossa espécie é uma espécie doente. Nós tornamos a água, que garantiu a vida, um bem que é de meia dúzia de pessoas”, disse.
Privatização da Sabesp precisa ser aprovada pela Câmara de São Paulo e só deve ser efetivada em 2024
O projeto de privatização da companhia precisa obrigatoriamente passar pela Câmara de São Paulo e ser aprovado pelos vereadores, uma vez que a capital paulista representa 44,5% do faturamento da companhia. A proposta tem apoio do prefeito Ricardo Nunes, que tem maioria na Casa.
Pela lei municipal, qualquer mudança no controle acionário da Sabesp faz com que a Prefeitura de São Paulo volte a assumir o serviço de água e esgoto na cidade.
Além de São Paulo, o governo do estado precisa negociar com 374 municípios atendidos pela Sabesp para a renovação do contrato de concessão até 2060.
Na prática, ainda que sancionada, a privatização não deverá sair do papel antes do primeiro semestre de 2024.
Segundo o vereador de oposição, Celso Giannazi (Psol), poucas ou nenhuma empresa teria interesse de comprar a Sabesp sem a fatia da capital. “Os agentes econômicos, as empresas que quiserem se associar à Sabesp vão ter um prejuízo enorme, porque São Paulo representa 44% do faturamento da Sabesp, que inviabiliza na prática. Agora o projeto de lei ele vai ser aprovado, fica autorizada a privatização, mas ela perde fôlego, perde importância no processo”, disse ao site G1.
Até agora, o governo ainda não definiu por quanto venderá suas ações. “Queremos redução para todos, mas com foco maior nos mais vulneráveis”, afirmou a secretária Natália Resende, em outubro. O subsídio será semelhante ao concedido a empresas de ônibus.
A proposta de privatização da Sabesp é a principal bandeira de campanha do bolsonarista Tarcísio de Freitas. O projeto, levado adiante sob o argumento de “proteger” a empresa, vai na contramão do que está acontecendo no mundo todo, a reestatização dos serviços de água, principalmente devido às altas tarifas depois da privatização desses serviços.
Entre 2000 e 2017, foram contabilizadas 835 reversões da privatização dos serviços de água e esgoto na Europa, sendo 693 a partir de 2009.
Em Portugal, a reestatização no município de Setúbal, no ano passado, previa uma redução de 20% na conta de água.
A maioria das reestatizações foi na França. O país foi pioneiro nas privatizações do setor e sede das empresas Suez e Veolia, líderes globais na área.
Em 2022, a Sabesp obteve lucro de R$ 3,12 bilhões, resultado 35,4% superior aos R$ 2,3 milhões registrados no ano anterior. A companhia investiu R$ 5,4 bilhões no ano passado, sendo R$ 2,16 bilhões em água e R$ 3,22 bilhões em esgoto.
Ou seja, a Sabesp é uma empresa lucrativa, mesmo nas mãos do estado. Além de baratear a conta, outro argumento sem sentido de Tarcísio de Freitas para privatizá-la é universalizar a oferta de água e esgoto.
O governador espera usar R$ 10 bilhões da venda das ações para elevar os investimentos a R$ 66 bilhões e encurtar o prazo de universalização de 2033 para 2029.
No entanto, a universalização do serviço já vai acontecer até 2029 na capital paulista. O contrato do município ganhou um aditivo no final de 2016 que prevê 100% de cobertura de água e 100% de esgoto coletado e tratado até essa data.
Em resumo, ao olharmos para os números de uma das maiores empresas de saneamento do mundo em população atendida (28,7 milhões de pessoas abastecidas com água e 25,5 milhões de pessoas com coleta de esgotos), responsável por cerca de 30% do investimento em saneamento básico feito no Brasil, sua privatização é totalmente sem sentido.
Assista ao ICL Notícias 1ª edição no vídeo abaixo:
Redação ICL Economia
Com informações do UOL, G1 e do ICL Notícias
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