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Processo contra golpistas pode aumentar rejeição a projeto de anistia, diz James Green

"No momento, a dinâmica é a favor de negar anistia e punir as pessoas. Mas a situação é dinâmica e pode mudar"
22/04/2025 | 05h00
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Por Heloisa Villela

Professor de História Moderna da América Latina e de História e Cultura do Brasil na Universidade Brown, nos Estados Unidos, James Green está preocupado com o momento que Estados Unidos e Brasil vivem. O julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado avança, mas no Congresso, a extrema direita insiste em tentar tramitar um projeto de anistia para todos eles. Esse é o momento de travar essa disputa política, de impedir que a história de golpes e acordos que evitam a punição de culpados se repita.

Nos Estados Unidos, a popularidade do presidente Donald Trump, no cargo há apenas quatro meses, está despencando. E as manifestações, em todo o país, se multiplicam. Agora, muitas já mencionam a perseguição aos imigrantes, o que era um ponto de apoio a Trump para a grande maioria da população. Assim como acontece nos Estados Unidos, o professor Green acredita que é hora de mobilizar a população brasileira e ganhar as ruas. Nos Estados Unidos, os protestos já se estenderam até o Alaska. “Isso é inédito”, destaca o professor.

Na Universidade Brown, James Green criou o projeto Abrindo os Arquivos, que digitalizou e tornou públicos 50 mil documentos do governo americano sobre o Brasil, produzidos durante a ditadura militar. Ele não quer ver parte dessa história, documentada no projeto, volte à tona. Acredita que é hora de travar essa disputa política, pela história futura do Brasil, agora. E vê o enfraquecimento de Trump, com a possibilidade da eleição de um Congresso mais democrata, no ano que vem, como uma brecha importante para articulação das forças progressistas nos dois países.

James Green

James Green

ICL Notícias – O que significa esse projeto de anistia, na perspectiva da história do Brasil?

James Green – Em primeiro lugar, acho que o fato de generais serem acusados e processados de violar a Constituição brasileira é uma coisa inédita na história brasileira. Desde a Proclamação da República, em 1889, houve nove tentativas de golpe de estado, ou mais, quatro ou cinco bem sucedidas ao longo do século XX, do final do século XIX pro século XX. E no último, a ditadura militar de 1964 a 1985, ninguém que era agente do estado e cometeu graves violações de direitos humanos foi púnico.

A lei de anistia, de 1979, deixou uma coisa muito aberta para as pessoas que violaram os direitos dos cidadãos brasileiros, que sofreram perseguição, morte e tortura, e ninguém foi punido. Agora é hora de punir as pessoas que violaram a Constituição. E minha grande preocupação é que em 1979 houve um certo acordo de setores políticos e militares para não punir os torturadores, os generais, os militares que cometeram graves violações de direitos humanos.

Agora, tenho medo de que essa conciliação crie uma situação em que as pessoas culpadas pelas violações, pela tentativa de golpe, não sejam punidas. Temo que volte aquele discurso do “vamos virar a página”, utilizado para justificar a insistência em não punir os militares responsáveis pelas violações de direitos humanos durante a ditadura.

O senhor acha que estamos caminhando nessa direção?

Acho que é uma possibilidade. No momento, a dinâmica é a favor de negar anistia e punir as pessoas. Mas a situação é dinâmica e pode mudar, como mudou nos Estados Unidos. Invadiram o Capitólio, centenas de pessoas foram condenadas. E Trump chegou no poder e deu o perdão. Todo mundo foi liberado.

Alguma coisa pode acontecer no Brasil em um dado momento. Eu acho que nesse momento a população está contra a anistia, e isso fica evidente nas pesquisas, então é uma questão de manter-se firme contra essas tentativas de conciliação entre as forças políticas para, como dizem, evitar problemas.

O senhor viu que na última pesquisa caiu a percentagem de pessoas contra a anistia? Quanto mais se prolonga a discussão dessa ideia, quanto mais se dá espaço para esse debate no Congresso, mais risco a gente corre?

Eu acho que sim. Mas na medida em que começam os processos contra os militares, a situação pode virar. Pode ser que as pessoas não entendam, mas quando começa o processo contra os generais, contra o ex-presidente, isso pode mudar a opinião pública sobre esse assunto.

Foi o que percebemos quando o filme “Ainda estou aqui” começou a circular. Criou uma opinião pública enorme contra os militares pelo tratamento dado às pessoas durante a ditadura. É uma coisa dinâmica e você tem razão: é importante fazer o mais rápido possível porque pode haver uma reviravolta.

Ou seja, o julgamento dos implicados na tentativa de golpe no STF, é importante como um processo educativo, na sua opinião?

É muito importante! Desde que os militares assumiram um papel muito importante na vida brasileira, desde a proclamação da República, os militares perderam o papel correto deles de defender as instituições. Eles fizeram o contrário. Destruíram as instituições durante a ditadura e na democracia, quando Bolsonaro perdeu as eleições e tentaram dar um golpe para mantê-lo no poder.

Ou seja, temos uma história, no Brasil, marcada pela intervenção militar na política, a ingerência militar na política, com essa sanha golpista. O sr. acha que esse processo agora pode ser um passo para o país sair dessa história ou esse é um processo muito mais lento?

Eu acho que vai depender muito da dinâmica, da reação popular aos processos, e se a extrema direita consegue consolidar uma opinião pública contra. Eu acho que é uma disputa política grande agora. Mas é fundamental que os militares assumam o papel correto deles na sociedade brasileira.

Ou seja, o Dom Pedro I, quando ele dissolveu a Assembleia Constituinte em 1823, e impôs uma Constituição, isso deu a ele um poder moderador de interferir na política dos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário. Os militares assumiram essa noção de que seria direito deles assumir esse poder moderador entre as demais forças políticas do país. É preciso modificar essa atitude sobre qual é o papel das Forças Armadas em uma sociedade democrática.

Como o senhor vê a atuação do governo Lula na tentativa de fazer essa mudança?

A situação é muito complexa. A frente ampla que Lula construiu para as eleições de 2022 não tem maioria no Congresso e há setores e ministros que fazem parte do governo que estão apoiando a extrema direita, as forças da direita, a favor da anistia. Então ele tem uma situação muito difícil para governar, passar leis, enfrentar os problemas da economia e essa situação das forças armadas que podem em certo momento reagir.

Eu estou honestamente muito impressionando que os militares estão em silêncio neste momento. Não estão tentando fazer campanha direta e aberta. Há setores que estão apoiando os militares que serão processados e as Forças Armadas ainda se mantêm fora do processo, mas isso pode mudar.

O governo Biden apoiou muito as forças democráticas para evitar o golpe que Bolsonaro e seus apoiadores estavam organizando. Isso foi muito importante. As Forças Armadas se dividiram e um setor falou: bem, se os americanos não nos apoiam, são contra um golpe de estado e vão apoiar quem for eleito, eles resolveram não entrar na conspiração.

Mas o fato de Trump estar no poder, e ele perdoou as pessoas que atacaram o Capitólio, abre mais um argumento para apoiar essas forças. Temos que nos lembrar que o Eduardo Bolsonaro não está nos Estados Unidos apenas descansando. Ele está organizando uma aliança entre as forças da extrema direita americana, no governo do Trump, e essas forças no Brasil, tentando usar a legitimidade de um governo eleito nos Estados Unidos para apoiar as forças contra a possiblidade de condenar os militares caso sejam considerados culpados pela tentativa de golpe de estado.

O presidente Trump está enfrentando um problema de queda grande de popularidade e está fazendo algo que atinge milhares de brasileiros que é essa perseguição aos imigrantes. O sr. acha que as forças progressistas deveriam trabalhar mais com essa queda de popularidade do Trump pode separar os brasileiros dessa direita de uma vez?

Eu acho que a esquerda brasileira tem uma leitura dos Estados Unidos que é muito baseada na perspectiva da Guerra Fria. É uma condenação correta sobre a intervenção norte-americana no golpe de 1964 e o apoio à ditadura militar. Mas não entende a complexidade da sociedade americana. E não entende que, como você falou, Trump está cada vez mais impopular, perdendo mais e mais apoio.

A única questão que ele tem a seu favor ainda é a campanha contra os imigrantes. Mas ele sempre argumentou que a campanha era contra as pessoas que tinham cometido crimes violentos nos Estados Unidos e mereciam ser deportadas. E sabemos que a grande maioria dos brasileiros que mora nos Estados Unidos, mais de um milhão de pessoas, uma grande parte, talvez uns 25%, são indocumentados. E são trabalhadores que têm dois empregos, estão ralando muito para sobreviver nos Estados Unidos e estão apavorados neste momento pela maneira com que o governo Trump está prendendo as pessoas para deportá-las.

Acho que se os brasileiros estão sendo ameaçados nos Estados Unidos, e forças progressistas aqui estão tentando fazer o máximo para defende-los. Estamos vendo mobilizações massivas como houve aqui no dia 19, a segunda grande mobilização nacional, e a questão migratória foi muito forte. Acho que mesmo o fato de que Trump tem se recusado a ajudar a retirar da prisão de segurança máxima em El Salvador e deixar voltar para os Estados Unidos uma pessoa enviada por engano, o fato de que em todo o país as manifestações estão falando disso, é uma indicação de que um setor da população está questionando essa violência contra os imigrantes.

Então há uma crítica a uma política do governo que tinha um certo consenso antes. Está perdendo até essa parte do apoio. E as forças progressistas brasileiras têm que valorizar e entender muito mais o fato de que, como na ditadura brasileira, nem todos os brasileiros apoiaram a ditadura, aqui nos EUA fica cada vez mais claro que muitas pessoas estão insatisfeitas com a política do Trump. Isso pode ter influência muito grande nas eleições de 2026 no Brasil porque, nesse momento, a dinâmica leva os democratas a terem uma grande vitória na Câmara, e isso pode influenciar as forças de centro-esquerda, ter mais força em outros países para enfrentar as forças reacionárias.

Então o sr. acha que os progressistas brasileiros precisam prestar atenção a isso e se alinhar mais com as forças progressistas dos EUA?

Precisam entender a complexidade, o que implica em haver grandes setores da sociedade que se identificam com os mesmos valores da esquerda brasileira, com os desejos de transformação social, e estamos desesperadamente aguentando e enfrentando esse governo que temos nesse momento. Acho que os brasileiros podem aprender muito com o processo interno norte-americano para pensar no processo brasileiro.

É muito curioso que muitas pessoas perguntam porque não houve essa mobilização massiva depois da eleição de Trump. As pessoas estavam em choque, com depressão, mas no Brasil também. Eu não posso prever o futuro, mas acho que a situação é muito mais dinâmica do que as pessoas pensam. Começou uma resistência nacional de todos os tipos, de todos os setores sociais, desde político a pessoas organizando movimentos de base, movimentos mais descentralizados em todo o país. Foram cinco ou seis protestos no Alaska! Isso é inédito. São milhões de pessoas, mas não são centenas de milhões ainda. Mas essas mobilizações são muito importantes e vão continuar porque o Trump não vai parar de fazer os danos que está fazendo.

E a gente precisa de mobilização aqui também?

Sem dúvida! Eu acho que isso é um grande erro da esquerda, que tem um certo medo de mobilização de rua, de não ter gente suficiente, de não mobilizar a base. Isso provoca debate interno sobre a importância dessas manifestações. Acho que a esquerda brasileira precisa se preocupar com o futuro porque as pesquisas indicam que Lula está recuperando sua popularidade, mas nada é garantido. Nada!

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