Por Lucas Rocha
Janeiro no Rio de Janeiro tem um clima de ferveção, tem um ziriguidum quase palpável no ar. As escolas de samba já ocupam o Sambódromo para os ensaios técnicos, e muito bloco já se colocou na rua. Em um Rio tão complexo, tão maltratado, a festa é a nossa salvação. E talvez o nosso objetivo, no fim das contas.
Em cada bar e botequim, surge a mesma pergunta: “e aí, quem vai ganhar o carnaval?”.
As escolas de samba, que por anos se impuseram como gigantes monumentais com patrocínios pomposos e enredos megalomaníacos desconectados da realidade do povo, parecem ter voltado a ser quase unanimidade.
Nos últimos anos, um processo de reaproximação com o grande público parece ter mobilizado as escolas a voltarem a se humanizar, a mostrar que são expressões genuínas do povo brasileiro, em especial do povo preto. A formação do “povo brasileiro” e a formação das escolas de samba são indissociáveis.
Das rodas de Ciata, à farra de Ismael Silva e à visão de Paulo da Portela, surge o que hoje conhecemos como o maior espetáculo da terra. Carnaval tem fundamento, escola de samba é raiz.
O pavilhão que gira na dança da Porta-Bandeira com o Mestre Sala não representa apenas um CNPJ, mas toda uma comunidade que se vê ali representada. Uma comunidade que geralmente não se sente assim, que não é acolhida pelo poder público, que enfrenta um cotidiano de violências e que na arte do carnaval consegue viver, sobreviver e se emocionar. E abre uma gelada.
Neste carnaval, que sentimos no ar um perfumado cheiro de caju da Mocidade Independente de Padre Miguel, é muito difícil saber quem vai levantar o caneco na quarta-feira de cinzas. A escola da zona oeste, que mobiliza o povo com seu samba delicioso, enfrenta problemas financeiros que talvez a deixem de fora da disputa principal, mas ela, sem dúvidas, sairá como uma das vencedoras pela forma que conseguiu envolver o carioca e fazê-lo delirar com a polpa e a castanha do seu caju.
Cada bar e botequim dessa cidade traz uma resposta diferente para a grande dúvida do título em um ano em que as apostas se dividem entre Hutukara no Salgueiro, Alcione na Mangueira, a cigana da Imperatriz, Dangbé na Viradouro, o Defeito de Cor na Portela, a onça da Grande Rio e a reedição de Gbalá da Vila Isabel.
No fim das contas, quem ganha nesse carnaval é o próprio Rio de Janeiro quando abraça suas escolas de samba, quando valoriza a sua arte, a expressão cultural da população marginalizada da cidade. E isso fica nítido quando vemos um samba-enredo (o da Mocidade) entre as músicas virais do início do ano.
E como canta a Vila Isabel do gênio Martinho, vambora resgatar e salvar porque ainda tem esperança de que a vida vai melhorar.
*Foto de abertura: Ensaio técnico da Mocidade Independente de Padre Miguel no Sambódromo da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro
Deixe um comentário