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Rebeca Andrade e o espólio do seu capital

Comentários machistas tentam retirar da atleta brasileira todo o esforço, disciplina e talento na conquista do pódio
12/08/2024 | 18h44

Por Joana de Vilhena Novaes*

Tenho lido com bastante interesse às inúmeras publicações sobre o ouro amealhado por Rebeca Andrade. Não faltam reflexões destacando a relação entre gênero e laços de solidariedade; fraternidade e espírito olímpico.

É igualmente possível, nas malhas da rede, ler sobre a intrínseca associação entre violência simbólica e feminicídio, nas primeiras Olimpíadas na qual observamos as mulheres ocuparem um lugar protagônico.

Da mesma forma, elaborados comentários, em profusão, sobre discursos antagônicos denunciando a lógica neoliberal da meritocracia × o subsídio ao esporte concedido por um Estado provedor.

Todavia, o que mais chama a atenção são os comentários, (ressalte-se, TODOS feitos por HOMENS), afirmando que Simone Biles teria perdido propositalmente.

Os argumentos seguem a lógica de uma curiosa “abnegação generosa”, na qual a atleta norte-americana abriria mão da sua medalha, por meio de falhas deliberadas na sua performance.

Um raciocínio rocambolesco e bastante tortuoso para dizer o mínimo.

Evidentemente, exemplos explícitos de racismo estrutural, dominação simbólica e má-fé. Além de um total desconhecimento da cultura e do ethos americano.

A lógica é clara: retira-se da atleta brasileira todo o esforço, disciplina e talento que a qualificaram para ser merecedora da medalha de ouro, substituindo moralmente o seu feito por fraude e favor. Ao invés de orgulho e reverência, condescendência.

Se o ideal de branquitude se impõe através das identificações, observamos igualmente, a colonização do desejo através das relações de poder observadas entre gênero, raça, classe e entre colonizadores e colonizados.

Resta saber se ousariam “espoliar moralmente” o feito e o prestígio duramente alcançados de algum atleta masculino, quiçá norte-americano…?

 

*Pós-doutora em Psicologia Social e Médica/UERJ, professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicanálise, Saúde e Sociedade da UVA, coordenadora do Laboratório de Práticas Sociais Integradas (LAPSI/UVA) e autora de inúmeros livros e coletâneas

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