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Jorge Mizael

Cientista político, doutorando pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), com foco em comportamento político e estudos sobre mudanças constitucionais. Fundador da Metapolítica, consultoria premiada no Oscar da Comunicação Política Mundial em 2020 pela The Washington Academy of Political Arts Sciences. Indicado, em 2021, como Consultor Político Revelação pela mesma instituição. Colunista do portal ICL Notícias, onde analisa questões políticas e institucionais com ênfase em governança e a relação entre o Legislativo e o Executivo.

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Reforma administrativa em marcha à ré: a volta da PEC 32

Implicações para a estrutura do serviço público e os desafios de uma reforma administrativa que pode reverter avanços conquistados nas últimas décadas.
03/07/2025 | 14h54
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Por Rudinei Marques

Por mais de um século, o Brasil conheceu diversas Reformas Administrativas — de Getúlio Vargas a Fernando Henrique, Lula e Dilma. Reformar a máquina pública não é, por si só, um mal. Pelo contrário: é dever do Estado buscar modernização, eficiência e justiça social. Mas é fundamental compreender o espírito que anima cada proposta. E é exatamente por isso que o Grupo de Trabalho (GT) da Reforma Administrativa da Câmara dos Deputados, sob coordenação do deputado federal Pedro Paulo (PSD/RJ), merece análise atenta.

Entre 2017 e 2022, o discurso da “Reforma Administrativa” foi sequestrado por uma visão fiscalista, reducionista e privatista, cujo pano de fundo era o desmonte do serviço público. A proposta mais acabada dessa visão foi a PEC 32/2020, apresentada pelo governo Bolsonaro e capitaneada pelo então ministro Paulo Guedes. O ministro, na ocasião, não escondia o objetivo: gerar uma “economia gigantesca” às custas dos direitos dos servidores e da qualidade dos serviços prestados à população.

Essa proposta — escrita por tecnocratas avessos ao serviço público — continha dispositivos gravíssimos:

  • Previa a entrega de serviços públicos ao setor privado via “instrumentos de cooperação”, ameaçando os princípios da universalidade e da gratuidade, assim como o controle estatal;
  • Apostava na precarização dos vínculos, com a introdução de vínculos temporários e celetistas de forma indiscriminada;
  • Autorizava a redução da jornada de trabalho com corte proporcional de salários, sem qualquer garantia de manutenção da qualidade do atendimento ao cidadão;
  • Abria caminho ao aparelhamento do Estado, ao permitir que todos os cargos em comissão fossem ocupados por pessoas de fora do serviço público, inclusive em áreas estratégicas e sensíveis, e isso em todos os entes federados;
  • Fragilizava profundamente a previdência dos servidores, pois a criação de novos vínculos precários comprometeria o equilíbrio financeiro e atuarial dos regimes próprios e mesmo do regime de previdência complementar.

Felizmente, a mobilização das entidades de classe, de parlamentares progressistas e da sociedade civil barrou esse retrocesso. Contudo, o fantasma da PEC 32 volta a assombrar o funcionalismo por meio do novo GT da Reforma Administrativa, agora em curso, sem transparência, com diálogo insuficiente e sem participação efetiva do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) — órgão que, legitimamente, conduz a política nacional de pessoal.

© Marcelo Camargo/Agência Brasil

Nesse sentido, vale observar que, desde 2023, o MGI tem promovido transformações concretas e positivas no serviço público, a saber:

  • O Concurso Nacional Unificado (CPNU) representa um marco na democratização do acesso ao serviço público federal;
  • A nova Lei Geral de Concursos (Lei 14.965/2024) possibilitou a parametrização dos certames e ampliou a segurança jurídica dos concursos;
  • A nova Lei de Cotas no Serviço Público (Lei 15.142/2025), além de fazer reparação histórica, promove a ampliação real da diversidade nos quadros do Estado brasileiro, criando um serviço público mais sensível à pluralidade da sociedade que atende;
  • A Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP), criada em 2003, eclipsada de 2017 a 2022, e retomada em 2023, reinseriu a democratização das relações de trabalho na ordem do dia, ao promover a participação ativa dos servidores nas decisões que afetam suas condições de trabalho;
  • Além disso, há avanços concretos na área digital e tecnológica, com iniciativas estruturantes e de longo prazo, como o Decreto 12.198/2024, que institui a Infraestrutura Nacional de Dados, o Decreto 12.069/2024, que atualiza a Estratégia Nacional de Governo Digital, e consolida o compromisso com a desburocratização e o atendimento centrado no cidadão, e o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), que articula ações voltadas ao uso ético, responsável e inovador de tecnologias baseadas em IA, com foco em impacto social positivo, transparência algorítmica e melhoria contínua da gestão pública.

Todas essas medidas apontam para uma verdadeira transformação do Estado, feita com responsabilidade, com técnica, com diálogo e compromisso com o interesse público. Trata-se de uma agenda de Estado e não de governo, voltada à inovação, ao controle social, ao planejamento, à soberania digital e à eficiência.

Mas, em vez de fortalecer essa agenda de aperfeiçoamento, o GT liderado por Pedro Paulo elabora, a portas fechadas, um novo texto de Reforma Administrativa, ignorando a agenda positiva implementada pelo MGI, fazendo ouvidos moucos aos servidores e a suas entidades representativas, enquanto acumula propostas vindas de segmentos da indústria, do comércio e do mercado financeiro, muitas vezes mais interessados em prestar, eles próprios, e mediante pagamento, serviços hoje universais e gratuitos prestados à população.

Assim, passadas algumas semanas da instalação do GT da Reforma Administrativa, crescem a desconfiança e a preocupação de que o novo texto não seja tão novo assim, mas somente uma nova roupagem de trechos requentados da malfadada PEC 32.

Vale registrar que essa não é uma discussão corporativa: trata-se da defesa do serviço público como um patrimônio nacional, que atende diariamente milhões de brasileiros em áreas essenciais como saúde, educação, segurança pública, assistência social, meio ambiente e tantas outras.

Diante da opacidade do GT e da suspeita de retrocessos, é preciso alertar os mais de 12 milhões de servidores públicos ativos e aposentados, e aos seus pensionistas, e a toda a sociedade brasileira: a mobilização é urgente! O serviço público brasileiro precisa ser aperfeiçoado, não desmontado. O Parlamento não pode legislar contra o povo que o elegeu. Aperfeiçoar, sim — mas com diálogo, transparência, técnica e compromisso com o Estado democrático de direito e com o avanço civilizatório de que o Brasil tanto precisa.
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*Auditor Federal de Finanças e Controle, doutor em Filosofia e presidente do Fonacate.

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