ICL Notícias

Por Chico Alves

A sequência de fatos que nos últimos dias confirmou ao Brasil o descontrole da segurança pública no Rio de Janeiro não é algo que surpreenda o coronel PM da reserva Robson Rodrigues. Ele atua na área há muitos anos: foi chefe do Estado-Maior da Polícia Militar, e hoje, como antropólogo, se dedica a estudar assunto. Esse conhecimento adquirido é credencial para fazer o diagnóstico para mais uma crise da segurança fluminense. “Há uma falta de governança”, diz ele.

A desorganização ficou visível em três episódios recentes: o sequestro de ônibus por traficantes na comunidade da Muzema, na semana passada; as cenas de vandalismo promovidas por torcedores uruguaios do Peñarol, na quarta-feira (23) e o confronto entre PM e tráfico que parou a via mais movimentada da cidade e resultou na morte de três inocentes.

A desestruturação da Secretaria de Segurança Pública, a indicação política de integrantes da cúpula das polícias, a distorção nas atribuições da PM e a fragilidade política do governo estadual são algumas das causas dessa crise, que Robson Rodrigues aponta nessa entrevista ao ICL Notícias.

 

Robson Rodrigues

ICL Notícias — Quais os motivos da atual crise na segurança do Rio, que resultou na trágica operação policial desta quinta-feira (24)?

Robson Rodrigues — O que a gente pode perceber nessa operação é o indicador de um problema estrutural da segurança pública como um todo. Há uma falta de governança. Então, a organização de determinadas facções é proporcional à desorganização do próprio Estado.

Para começar, há uma tomada de decisão equivocada, no meu entendimento, e no entendimento de muitos especialistas, que foi a extinção da Secretaria de Segurança Pública. Isso aconteceu sem nenhum plano, sem nenhum argumento que justificasse, diferente de todos os estados da Federação.

Antecipamos alguns problemas que poderiam ser gerados. E esses problemas aconteceram. Eles não foram difíceis de ser previstos… e aconteceram.

E aí tivemos o retorno da Secretaria de Segurança Pública, mas não sob os critérios técnicos que nós estávamos colocando lá atrás, e sim para atender a alguns pleitos políticos. Então, prevaleceram os interesses políticos em detrimento dos interesses técnicos. E aí a gente tem uma superposição de secretarias para tratar direta ou indiretamente do problema da segurança pública. Temos a Secretaria de Defesa Civil, Secretaria de Administração Penitenciária, Secretaria de Polícia Militar, Secretaria de Polícia Civil, e a quinta secretaria, que é a Secretaria de Segurança Pública.

Até que se prove contrário, o que se vê é uma ‘bateção’ de cabeça, infelizmente.

A indicação política de integrantes da cúpula da segurança é uma das causas?

Eu não posso afirmar que houve, mas os sinais estão aí. Até que se prove o contrário. Não se justifica, por exemplo, a troca de determinados chefes de polícia, comandantes ou secretários de Polícia Civil e secretários de Polícia Militar, sem nenhum fato.

Então, a gente tem algumas hipóteses para isso e a hipótese política parece se reforçar. Principalmente diante da fragilização do governo estadual. Esse é o ambiente político, tem várias barganhas. Essa intromissão não é só na segurança pública, há intromissões em várias secretarias, várias partes, o que é prejudicial.

Quando há alguma indicação com suporte técnico, que tenha algum conhecimento na área, até se pode entender. Mas a gente tem que analisar isso a partir do que a gestão entrega. Mas a gente não está vendo uma entrega. Então, essa hipótese da interferência política se robustece cada vez mais diante dos fatos.

Eu seria leviano mesmo de chegar aqui e falar que houve (indicação política). Estou analisando os fatos. Então, tem a hipótese política porque isso é uma realidade, né? É factível. A indicação do secretário de segurança agora não atendeu os critérios técnicos que nós estávamos falando lá atrás. Então, quais seriam os critérios? Eu uso a possibilidade de serem critérios políticos.

Quais os problemas causados pela extinção da Secretaria de Segurança, que agora voltou sem força nenhuma?

Perdeu-se com a extinção da Secretaria de Segurança uma coisa já institucionalizada, como era a corregedoria, que ficava acima, numa instituição superior, com poder de mando. Era a corregedoria unificada.

Você tinha a ouvidoria das polícias. A estrutura estava montada. Você tinha a inteligência, uma inteligência da Secretaria de Segurança Pública, onde policiais comandados para fazer investigação trabalhavam lá.

Tinha agentes muito qualificados. Agora, se não produziam resultados, ou se tinha uma gestão ruim, era para trocar a gestão, os gestores, mas não a estrutura. O que aconteceu? Quando você extinguiu, retalhou toda essa estrutura.

Você tinha protocolo. Bem ou mal feito, tinha ali um instrumento de acompanhamento online das ocorrências. Então, esse centro de comando e controle só fica com a Polícia Militar e não é utilizado de uma forma integrada.

As polícias estão atuando de uma forma autônoma e sem uma integração. É necessário um maestro, é necessário alguém para organizar.

Do ponto de vista da estratégia de segurança pública, quais os principais erros dessa operação que resultou na morte de três inocentes na avenida Brasil?

Tem erros estratégicos, tem erros táticos e erros operacionais. Então, quem tomou a decisão de fazer uma operação dessa envergadura, lidando com algo que não conhecia, tinha que se abastecer de informações integradas com outras secretarias. Não houve essa integração. Isso foi um erro tático e um erro operacional.

No calor dos acontecimentos, já com o problema dado, a opção pelo recuo foi acertada, porque a outra opção é escalar a força e a população está ali à mercê de tudo isso. É só perguntar à população o que ela queria, se ela queria que aumentasse a força para buscar esses criminosos ou recuasse para dar proteção a ela. É claro que ela vai querer que parem, é só perguntar aos moradores dessas comunidades.

Se a polícia for um vetor ainda de tensão, de escalar a violência, está errado.

Se o objetivo era de coibir roubo de carga, isso é combater da pior forma. Há outras formas de coibir, inclusive com a atribuição de Polícia Militar, um policiamento mais eficaz, integrado. Reunir outras forças pra ter uma malha mais interessante de segurança, de policiamento, ter a tecnologia ao seu lado, com o uso de câmeras, de drones, para fazer um patrulhamento. Observar quando saem, quando entram, tudo isso pra dificultar e enfraquecer as quadrilhas.

Em que medida a gestão de Cláudio Castro agravou os problemas crônicos da segurança no Rio?

Além de todos os problemas do Rio, temos também a questão de gestão pessoal. Será que ele (Castro) teria habilidade para fazer isso?

A gente não tem tido sorte no Rio de Janeiro de contar com governantes mais capazes, mais interessados, mais conectados com os problemas, mais preocupados e um conhecimento um pouco mais avançado sobre esses problemas. Infelizmente, a gente não tem visto.

Tem também as condições políticas, uma condição fragilizada. Aí acaba virando refém, tanto das polícias quanto da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).

A gente teve uma chance, nós tivemos aí uma situação que foi um pouco mais promissora. Na época do Sérgio Cabral, que a gente teve ali as UPPs. Tinha um projeto para se modernizar as duas polícias, foi uma promessa para fazer esses investimentos. Mas depois a gente viu qual era o interesse, era um interesse criminoso e a população foi enganada. E uma parcela muito importante, muito significativa da polícia também foi.

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