Por Yuri Eiras e Italo Nogueira
(Folhapress) — O ex-policial militar Ronnie Lessa pediu nesta quarta-feira (30) perdão à família da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes pelo homicídio dos dois, crime que confessou em sua delação premiada.
“Com absoluta sinceridade e arrependimento, pedir perdão às famílias do Anderson, da Marielle, à minha própria, à da dona Fernanda [Chaves, sobrevivente do atentado] e a toda sociedade pelos fatídicos atos que nos trazem aqui. Infelizmente não podemos voltar no tempo. Mas hoje eu faço o possível para amenizar essa angústia de todos, assumindo minha responsabilidade e trazendo à tona todos os personagens envolvidos nessa história, de cabo a rabo”, afirmou Lessa no interrogatório no Tribunal do Júri em que é julgado, no Rio de Janeiro.
O ex-PM voltou a dizer que ficou “cego” com a oferta de ficar milionário com a exploração de uma área na zona oeste, recompensa prometida, segundo ele, pelos mandantes do crime. “Apesar do dinheiro ser sujo, eu ia tentar rebocar as pessoas que eu gosto. Fiquei cego com isso. Era muita grana”, disse ele, que estimou o faturamento em R$ 25 milhões.
Lessa prestou interrogatório por videoconferência do Complexo Penitenciário de Tremembé (SP), para onde foi transferido após firmar delação. O ex-PM firmou colaboração premiada com a Polícia Federal e Procuradoria-Geral da República no qual indicou como mandantes do crime os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão. No interrogatório desta quarta, o Ministério Público solicitou para que o réu evitasse mencionar réus de outros processos.
Segundo ele, os dois decidiram matar a vereadora para impedir que ela continuasse a prejudicar os interesses da família em práticas de grilagem de terras. O crime seria o ápice das desavenças entre os Brazão e integrantes do PSOL. Eles são réus em ação penal no STF (Supremo Tribunal Federal) e negam o crime.
“Tirei um peso das minhas costas confessando o crime, podendo dar uma continuidade a isso para amenizar essa angústia de todos, da sociedade inteira. Se eu puder amenizar isso, estou fazendo o máximo. Vou cumprir o meu papel até o final. Tenho certeza que a Justiça vai ser feita. Hoje é uma parte. Tenho certeza absoluta que ela vai ser feita no STF. Ninguém vai ficar de fora não. É da base ao topo dessa pirâmide, sem exceções. Ninguém vai se safar”, disse Lessa.
A ministra Anielle Franco (Igualdade Racial), irmã de Marielle, Mônica Benício, viúva, e Luyara Franco, filha, acompanharam juntas o pedido de perdão de Ronnie Lessa. Em pé, elas reagiram com alguma incredulidade diante do pedido de desculpas.
O presidente da Embratur Marcelo Freixo, de quem Marielle foi assessora, assistiu ao pedido de perdão sentado em uma cadeira, com olhos marejados. Marinete da Silva, mãe da vereadora, estava do lado de fora do auditório.
Lessa: ‘agonia de resolver’ assassinato de Marielle
Durante interrogatório do Tribunal do Júri no qual é julgado pela morte dos dois, Lessa disse que assumiu o risco de matar Anderson em razão da demora em conseguir uma oportunidade para executar o crime.
“Tentei concentrar ao máximo no alvo, que era a vereadora Marielle, sabendo do risco [de acertar outros ocupantes]. Aquela munição não era apropriada, 9 mm. É a mais perfurante que tem. O mais apropriado seria um revólver”, disse ele.
“Tendo mais pessoas dentro do carro, reduziria a chance de acontecer o que aconteceu com o Anderson. Se tem um revólver, somente a vereadora teria falecido, não o Anderson. Mas naquela agonia de resolver, corri o risco consciente. Infelizmente aconteceu a questão do Anderson. Não era a finalidade.”
A agonia a que se refere Lessa é, segundo sua versão, a demora em conseguir concretizar o crime para o qual poderia ficar rico. Ele afirmou que foi contatado pela primeira vez sobre o homicídio no final de 2016. O nome de Marielle, porém, surgiu por volta de setembro, de acordo com ele, momento no qual começaram os preparativos.
“Fiquei cego com o que escutei, com o que tinha de oferta”, disse Lessa.
Lessa voltou a negar ser um matador de aluguel, como afirma a PF. O tema voltou a ser debatido quando o promotor Paulo Rabha o questionou sobre o uso do aplicativo Confide para se comunicar sobre o crime com o ex-PM Élcio Queiroz, que dirigiu o carro.
“Que tipo de comunicação vocês mantinham por esse aplicativo?”, questionou o promotor.
“Quero deixar claro aqui que isso não era corriqueiro, não. Não sou um matador de aluguel. Volto a falar novamente. Confide era para qualquer tipo de segredo. Se a gente quiser falar sobre uma namorada, é pelo Confide”, disse ele.
Filha de Marielle deixou plateia chorando
Familiares de Marielle que acompanharam o julgamento pouco conversaram durante o depoimento de Lessa. Eles reagiram negativamente quando Lessa afirmou que foi procurado sobre o crime ainda em 2016.
A plateia também reagiu quando Lessa disse que a primeira proposta que recebera era para matar o ex-deputado Marcelo Freixo. Ele foi confortado por Marinete.
Durante um intervalo forçado por conta de problemas na conexão de Lessa, Luyara saiu da plateia e chorou.
“É um dia muito difícil, que começou cedo. Foi difícil ouvir as testemunhas, principalmente minha avó e a Agatha [Arnaus, viúva de Anderson], que trouxeram o lado humano da minha mãe. É difícil lembrar tudo isso, mas temos esperança de sair com a sentença o quanto antes”, disse a filha da vereadora.
A família chorou no momento em que Lessa detalhou o assassinato. “O depoimento mais forte do dia foi o da minha mãe. Os defensores e o Ministério Público tentaram trazer o lado humano da Marielle. Não a parlamentar Marielle Franco, mas a Marielle Francisco da Silva, que é o nosso nome. Uma das coisas que mais me marcou foi rever as fotos, ouvir a voz da Mari de novo. É um dia de emoção”, disse Anielle.
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