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Valdemar Figueredo (Dema)

Idealizador e coordenador desde 2017 do Observatório da Cena Política Evangélica pelo Instituto Mosaico (www.institutomosaico.com.br). Pós-doutorando em sociologia pela USP. Doutor em ciência política (antigo IUPERJ, atual IESP-UERJ) e em teologia (PUC-RJ). Pastor da Igreja Batista do Leme e da Igreja Batista da Esperança, ambas na cidade do Rio de Janeiro.

Colunistas ICL

Se calarmos, as pedras gritarão

O dilema ético de Sebastião Salgado e a nossa necessária coragem para denunciar as injustiças da realidade brasileira
18/03/2025 | 07h31
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Sebastião Salgado se notabilizou como um dos maiores fotojornalistas do mundo. Registrou tão de perto o sofrimento humano a ponto de afirmar que perdeu a fé na condição humana e em Deus.

A série “Êxodos” trata de populações em deslocamento pelos conflitos e pela fome. Registrou com a sua câmara o processo de desumanização.

Suas imagens são poéticas, cheias de sentidos, conceitos e sofrimentos.

Esteve exposto ao sofrimento por tanto tempo e em tal medida que em certa ocasião desfaleceu, fraquejou, adoeceu. Salgado não suportou tanta dor.

Tragédias, catástrofes, desterros, exílios, êxodos, calamidades, genocídios registrados por um fotógrafo que chegou tão perto da coisa e a olhou por diversos ângulos, inclusive por dentro.

Seria moral, ético, respeitoso, fotografar alguém no limite, agonizando antes da morte?

Segundo Salgado, fez essas fotografias porque tinha um dever moral, ético, de fazê-las. Não havia prazer no sofrimento alheio, mas urgência para denunciar ao mundo o colapso humanitário silenciado e naturalizado.

Ao registrar tanta dor, Salgado não pretendia espetacularizar o sofrimento, mas, chamar atenção para a dignidade humana.

Não era aceitável tamanha indiferença diante do colapso humanitário!

Não é aceitável que o dito mundo desenvolvido se distraia e permita a miséria em escala industrial.

A globalização da desumanização.

Miséria romantizada como se fosse do humano, e pior, como se tivesse um propósito divino.

Muitos que estão acompanhando de perto o sofrimento da nossa crônica tragédia brasileira indagam se vale a pena o empenho para registrar.

Quem denuncia esse cotidiano tão caótico se sente impotente e tem recaídas, como se pudesse apagar da memória o que viu. A insensibilidade passa a ser cortejada como um mecanismo de defesa, questão de sobrevivência.

Como bem definiu Carlos Drummond de Andrade:

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco…

Minha admiração, meu respeito e reverência. Pessoas corajosas e despojadas que gritam/cantam no deserto. Temos a poesia que nos redime e humaniza. Muito por fazer, dividindo o peso, sigamos!

 

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