Rita Oliveira, secretária-executiva do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, foi a chefe da delegação brasileira no 3º Fórum Permanente sobre Pessoas Afrodescendentes em Genebra, na Suíça, na semana passada.
Ela conversou com a coluna sobre uma série de ações que o Ministério de Direitos Humanos está promovendo e sobre o desafio que enfrenta nessa coordenação criada no governo Lula.
“A gente quer aprofundar as políticas de produção de memória, especialmente de memória sensível sobre a escravidão e o tráfico, e pensar em parâmetros mais robustos e que produzam impactos mais concretos na agenda de justiça de reparação”, conta.
Oliveira afirmou, porém, que o museu para tratar do tema “ainda não tem um formato ou nome definido”.
Confira a entrevista
Em que essa agenda em Genebra colabora para as ações do ministério?
Essa agenda em Genebra foi muito importante, especialmente porque foi um momento de avaliar o saldo da primeira década, que não é um saldo que a gente pode chamar de positivo, porque muitos objetivos não foram atingidos.
É preciso reconhecer isso, mas, sobretudo, para pensar numa agenda mais propositiva, mais concreta, com impactos mais concretos, porque a gente está advogando aqui como uma segunda década, considerando que a população afrodescendente no Brasil e no mundo ainda experimenta um elevado volume de desigualdades, de déficit de acesso a direitos e de injustiças.
É importante dizer que, nessa segunda década, estamos enxergando como objetivos-chave a justiça de reparação e a promoção do desenvolvimento sustentável, e isso tem muita relação com a política que o Ministério está apostando como uma política estratégica para melhorar o desempenho das políticas de igualdade racial no Brasil.
Então, em articulação com o Ministério da Igualdade Racial, a gente quer aprofundar as políticas de produção de memória, especialmente de memória sensível sobre a escravidão e o tráfico, e pensar em parâmetros mais robustos e que produzam impactos mais concretos na agenda de justiça de reparação, em nível social, histórico, simbólico e também socioeconômico.
Que ações estão no planejamento do Ministério?
O Ministério tem essa nova coordenação que é a de Memória e Verdade sobre a Escravidão e o Tráfico Transatlântico e alguns projetos já estão em execução por essa coordenação nessa toada de implementar políticas de memória.
O grande destaque é o projeto Placas de Sinalização de Lugares de Memória, de passagem de pessoas africanas escravizadas no Brasil, inspirado no inventário sobre o tráfico transatlântico, que é uma obra de pesquisadores da Universidade Federal Fluminense com o antropólogo Milton Guran, que tem também uma relação com o projeto Rota dos Escravizados da Unesco. É um projeto avalizado pela Unesco, para sinalizar esses lugares de memória e tornar sensível a memória dessas pessoas africanas escravizadas nos respectivos territórios em todo o Brasil.
É uma parceria do Ministério de Direitos Humanos com o Ministério da Cultura, com participação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e da Fundação Cultural Palmares, também do Ministério da Educação e do Ministério da Igualdade Racial.
Também temos um projeto de fomentar o resgate da cultura de comunidades quilombolas, estamos iniciando esse projeto numa ação inicial no quilombo de Alcântara, no Maranhão, em que a perspectiva é criar um espaço de memória para essa comunidade e inspirar outras comunidades a também construírem seus espaços de memória com o apoio do Ministério.
Também temos um projetos de elaboração de material didático para implementar a Lei nº 10.639 que obriga o estudo de cultura e história afro-brasileira no Brasil, aportando para essa política pública de Estado, o estudo de cultura afro-brasileira em escolas públicas e escolas, não só públicas, mas também privadas no Brasil, aportando conhecimento em relação à questão da escravidão e do tráfico, promovendo políticas de conscientização e memória em relação a essa história que a gente sabe que no Brasil tem um saldo de apagamento muito grande.
Também destacamos o dossiê do acervo do Nosso Sagrado, que é uma parceria também do Ministério, com o Museu da República e a Defensoria Pública da União, em que estamos com grupos de especialistas produzindo informações a partir da análise dos inquéritos dos objetos sagrados apreendidos durante a Primeira República.
E esse dossiê busca trazer memória sobre a perseguição das religiões de matriz africana no Brasil durante esse período da Primeira República e nos ajudar também a pensar como a gente pode elaborar melhores políticas de proteção das comunidades de terreiro e das religiões de matriz africana no Brasil.
A gente tem também um acordo com a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) de capacitação de professores da rede básica sobre memória e reparação.
São várias políticas sobre produção de memória e verdade, ciente de que isso é que nos vai conduzir a um processo efetivo de justiça de reparação para a população afrodescendente no Brasil.
O Museu da Escravidão faz parte dessas iniciativas?
Efetivamente, o museu ainda não tem um formato ou nome definido. Estamos num processo de construção e de elaboração desse espaço, com o apoio do BNDES, interlocução com outros ministérios, o Ministério da Igualdade Racial, Ministério da Educação e o Ministério da Cultura, que é quem coordena também esse trabalho entre outros que compõem o Grupo de Trabalho.
Vale ressaltar que esse espaço vai lidar com acervos relacionados à escravidão e o tráfico transatlântico porque, como todo e qualquer museu, especialmente quando se diz respeito a essas questões raciais, ele também tem um objetivo de sensibilização em relação às injustiças raciais e obviamente tratar sobre escravidão e o tráfico. A ideia é produzir memória sensível sobre esse tema.
Qual a importância dessa articulação internacional para promover políticas de memória e de justiça de reparação sobre temas como a escravidão e o tráfico transatlântico de pessoas escravizadas?
Essa articulação internacional é muito importante, porque a gente entende que pensar em políticas de memória, especialmente sobre a escravidão e tráfico que foram sistemas muito sólidos de exploração sócio-econômica de diversos países afetados pela diáspora no continente africano, precisa de um movimento global.
O fato de ter tido uma década para pensar em estratégias e políticas de enfrentamento às iniquidades raciais, com um saldo ainda muito grande a ser vencido, nos desafia a precisar de um movimento global muito mais forte, por isso, entendemos que as políticas de memória são muito estratégicas.
Aproveitamos esse momento aqui no Fórum para fazer diálogos com outros países e organizações que estão trabalhando com políticas de memória ou que precisam também trocar experiências conosco em relação às políticas de memória. Estamos saindo daqui com várias articulações interessantes, especialmente com os países da América Central.
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