Por Heloisa Villela
Uma foto.
Nela, havia pelo menos nove crianças. De quatro a gente vê o rosto completo. Das outras, as grades escondem boa parte. Que idade elas têm? Será que tiveram tempo de aprender a andar de bicicleta? Soltar pipa? Será que estão aterrorizadas? Trauma não precisa perguntar. Mas foi essa foto que pulou na minha frente, no celular, com a manchete: Israel solta 9 crianças palestinas presas sem acusação.
Para e respira fundo aqui comigo. Elas não são as primeiras, não são as únicas e dificilmente serão as últimas. Prender crianças palestinas é uma prática comum do Estado de Israel. Enquanto os nossos filhos brincam de pique, jogam vídeo games, nadam no mar e andam de skate, essas crianças todas bem novas (pela foto, nenhuma tem mais de 11 anos!) tiveram a infância sequestrada, jogada em uma cela israelense.
Uma amiga vê a foto e me pergunta: “Helô, em que esquina a gente se perdeu?”. Juro que não sei precisar o momento exato, na marcha da história. Mas chamar de humanidade esse aglomerado de pessoas, no planeta terra, que olha e permite que essa violência prossiga é bem difícil para mim, confesso. Quando estive na Palestina, conversei longamente com um dos diretores da Defense for Children International, organização que se dedica a lutar pelas crianças presas por Israel. Imagine só ser necessário existir uma organização para tentar tirar da cadeia as crianças! Quase todas presas como as da foto, sem acusação formal, sem prazo para voltar para casa. Sem chance nem direito de viver aquilo que a gente costuma chamar de “os melhores anos”.
Segundo levantamento da Defense for Children, todo ano Israel processa, nos tribunais, entre 500 e 700 crianças palestinas. Desde o ano 2000, 15.000 menores palestinos foram detidos, interrogados e julgados em tribunais israelenses. Essas crianças chegam algemadas e com os olhos vendados para serem interrogadas. E não é permitida a presença de advogado nos interrogatórios. Viva o estado de direito e a democracia!
E mais: agora, durante o genocídio na Faixa de Gaza, a Defense for Children registrou o uso de crianças como escudo humano. Ao se aproximar do campo de refugiados de Jabalia, o exército de Israel colocou crianças palestinas na frente dos tanques enquanto avançava na direção dos refugiados. Esses acontecimentos foram registrados nos dias 15, 17 e 20 de outubro do ano passado. Crianças de todas as idades foram usadas como escudo. As mais novas na faixa dos 6 anos.
A infância dessas milhares de crianças foi pro brejo. A vida de outras mais de 15 mil também, no genocídio na Faixa de Gaza. Junto com a vida delas se vai, passo a passo, a nossa humanidade. E a gente vai assistindo saudação nazista, enxurrada de mentiras nas mídias sociais, mais e mais gente com cada vez menos. Um seleto grupo com cada vez mais. Vêm aí, diz o estudo da Oxfam, a primeira geração de trilionários do planeta. Ao menos cinco devem surgir nos próximos 10 anos.
Para que tanto? Pra ter ainda mais poder. Para lucrar ainda mais, para ver ainda menos do que está na cara de todo mundo, para fugir pra Marte, quem sabe. Deu errado, com certeza, deu muito errado. E não está com jeito de que vai melhorar.
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