Por Karla Gamba e Igor Mello
Um servidor do Ibama que depôs contra o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles na investigação que apura tráfico de madeira foi monitorado pela Abin paralela. No início de 2021, Hugo Leonardo Mota Ferreira foi chamado para prestar esclarecimentos como testemunha e, em depoimento à Polícia Federal (PF), reforçou os indícios dos investigadores sobre a participação de Salles em um esquema que facilitava a exportação ilegal de produtos florestais para os Estados Unidos e a Europa.
Seu depoimento foi uma provas utilizadas para desencadear a Operação Akuanduba, que tinha Salles entre os alvos. Um mês após a operação, pressionado pelas investigações e denúncias contra sua atuação e ingerência nos órgãos ambientais, Ricardo Salles foi exonerado do Ministério do Meio Ambiente em 23 de junho de 2021. Diante disso, o servidor Hugo Leonardo virou alvo do monitoramento ilegal praticado pela Abin.
Mensagens trocadas entre Marcelo de Araújo Bormevet e Giancarlo Gomes Rodrigues — presos no dia 11 de julho, no âmbito das investigações que apuram o uso da Abin para investigar opositores do governo e da família de Bolsonaro — mostram que o nome do servidor do Ibama esteve nas ações de espionagem clandestina até 2022, último ano do governo do ex-presidente de Jair Bolsonaro.
Em 28 de março de 2022, o nome de Hugo Leonardo e de outros dois servidores do Ibama foi enviado pelo delegado federal Rodrigo Augusto de Carvalho Costa para Giancarlo com o pedido de que fosse verificada a “ficha corrida deles” com o intuito de encontrar algo negativo contra eles pois, segundo mensagem do próprio delegado, os três servidores estariam “dando trabalho à gestão do Ibama”. O trabalho dado à gestão do Ibama, de acordo com investigadores da PF, seria o cumprimento de seus deveres funcionais no combate aos crimes ambientais.
A investigação sobre o contrabando de produtos florestais começou em janeiro de 2021. Em seu depoimento, Hugo Leonardo destacou a atuação de um assessor especial de Salles, Leopoldo Penteado Butkiewicz. Concursado do Ibama desde 2015, o servidor afirmou que nunca tinha visto um assessor do Ministro do Meio Ambiente atuar de forma tão direta no Ibama, inclusive dando ordens a funcionários que ocupavam cargos de chefia.
Em maio do mesmo ano, na Operação Akuanduba, o então ministro teve seus sigilos bancário e fiscal quebrados. Desde agosto de 2023 — quando já era deputado federal — Ricardo Salles virou réu no caso.
Outro servidor foi monitorado por ter ‘atingido’ Bolsonaro
Um outro servidor do Ibama foi monitorado ilegalmente pela Abin — mais de um ano após ter sido exonerado do cargo de chefe de fiscalização de crimes ambientais — por ter, segundo Bormevet e Giancarlo, atingido o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A justificativa para a ação clandestina contra o servidor consta em mensagens interceptada por investigadores da Polícia Federal (PF): “Atingiu agora o Presidente da República diretamente”, afirmou Bormevet em mensagens trocadas com Giancarlo. A troca de mensagens ocorreu em 30 de outubro de 2021.
Nem a conversa entre os dois, nem a parte da investigação que foi retirada de sigilo nesta quinta (11), explicam exatamente de que forma ele teria “atingido” o ex-presidente. No entanto, esse foi o motivo para que o servidor Hugo Ferreira Netto Loss fosse monitorado mais uma vez — a primeira teria sido em 2020.
Loss foi monitorado mais de uma vez e por diversos usuários do sistema First Mile — programa utilizado pelos integrantes da chamada “Abin paralela”.
Ele ocupou o cargo de chefe do setor de fiscalização de crimes ambientais no Ibama e foi exonerado do posto em abril de 2020, duas semanas depois de coordenar uma operação que fechou garimpos ilegais em terras indígenas no Pará.
Sua exoneração foi publicada no Diário Oficial dias após a reunião ministerial no Palácio do Planalto em que Ricardo Salles, à época ministro, sugeriu que se aproveitasse que a população e a imprensa estavam focadas em combater a Covid-19 para “passar a boiada”. A expressão fazia referência à aprovação de leis que dificultariam a fiscalização de crimes ambientais. Servidor concursado, ele continuou no órgão após sair da chefia de fiscalização e também continuou sendo alvo de espionagem ilegal da Abin.
Para os investigadores da PF que trabalham no caso da “Abin paralela”, essas reiteradas ações de espionagem clandestina eram do conhecimento do então diretor do órgão, Alexandre Ramagem, que agora é deputado federal e pré-candidato à prefeitura do Rio de Janeiro pelo PL (Partido Liberal), com o apoio de Jair Bolsonaro.
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