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Por Lara Ely — Agência Pública

No sábado, 4 de maio, uma postagem da Defesa Civil do Rio Grande do Sul que buscava orientar a população gerou pânico. A publicação indicava a imediata evacuação de diversos pontos da capital e da região metropolitana e apontava um mapa para consultar as áreas de risco.

Contudo, o mapa sinalizou como inundáveis regiões altas, como a praça da Matriz — um dos pontos mais elevados do centro de Porto Alegre.

A comunicação foi severamente criticada nas redes sociais e denunciada pelo site de jornalismo local Matinal Jornalismo. A postagem foi editada, posteriormente, informando que as pessoas deveriam considerar a altura do terreno para deixar o local.

Esse exemplo pode parecer pequeno, mas é ilustrativo de uma questão muito mais ampla e que especialistas apontam que se tornou evidente no desastre causado pelos temporais no Rio Grande do Sul: a comunicação sobre tragédias no Brasil é feita de forma emergencial, faltam planos claros de evacuação para a população e não há comunicação preventiva de desastres.

Mensagem de alerta aos moradores do Rio Grande do Sul, divulgada pelo governo do estado

A ineficácia da estratégia de comunicação pública foi criticada pela climatologista Flávia Moraes, da Georgia State University. A professora aponta que, no Brasil, a decisão sobre sair de casa em uma hora de crise é delegada à população.

Para ela, essa decisão é falha sobretudo em crises como esta, que ela afirma ser uma tragédia anunciada.

“Desde o boletim de março, a MetSul Meteorologia vinha alertando sobre as chuvas intensas de abril e maio. Seria necessário um tom mais firme e direcionado para a ação. O cidadão comum não possui recursos e nem conhecimento climático necessário para avaliar o grau de emergência. A evacuação precisa ser decidida e coordenada de forma mais incisiva”, critica.

Segundo Moraes, faz falta um protocolo de comunicação unificada, com disparos de alertas simultâneos por SMS, rádio, imprensa, redes sociais e televisão, como é feito nos Estados Unidos, por exemplo, que realmente chegue à população.

Segundo dados divulgados pela própria Defesa Civil, apenas 11,2% da população do estado está cadastrada no sistema de alertas — isso representaria 1,2 milhão de pessoas dos 10,8 milhões que vivem no Rio Grande do Sul.

Os alertas da Defesa Civil funcionam da seguinte forma: toda vez que o monitoramento da Sala de Situação da Secretaria do Meio Ambiente (Sema) indica qualquer possível risco hidrogeológico ou meteorológico, são emitidos alertas pela Interface de Divulgação de Alertas Públicos.

Quem recebe as notificações são os contatos cadastrados no 40199. Para esta enchente de 2024, os alertas sobre as chuvas se iniciaram na quinta-feira, dia 25 de abril.

“Nós fizemos os alertas em tempo hábil. Infelizmente, não se tem a cultura de prevenção como algo disseminado. As pessoas devem observar as informações e seguir os alertas, mas nem todos fazem isso. Elas têm resistência de sair de casa”, diz a chefe de comunicação social da Defesa Civil Estadual do Rio Grande do Sul, tenente Sabrina Ribas.

Integrante do grupo de protocolo para as crises climáticas do Núcleo de Defesa Ambiental da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, o urbanista Leonardo Brawl aponta que, atualmente, os planos de contingência não existem ou estão distantes da população.

Os planos são uma espécie de “receita de bolo” que explica como a população deve se comportar nesses momentos. “Falta diálogo com as comunidades para fazer as pessoas conhecerem os planos preventivos, mas eles, muitas vezes, nem existem.”

A educação comunitária seria, na visão de Brawl, um caminho para tornar as pessoas parte da solução.

Uma reportagem da Agência Pública deste ano mostrou como a educação climática ajudou a salvar vidas em meio às fortes chuvas que, em 2022, atingiram o município de Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana de Recife, em Pernambuco.

Estudantes da comunidade do Retiro foram capazes de orientar a evacuação dos vizinhos que viviam em regiões onde houve deslizamentos. No final das contas, eles salvaram vidas.

Plano do governo para ações climáticas precisa ser mais eficiente

Em junho de 2023, um ciclone extratropical devastou mais de 40 cidades do Rio Grande do Sul, deixando 16 mortos. Em setembro, enchentes causaram o que seria conhecido até então como o maior desastre natural da história do estado: 50 pessoas morreram e o Vale do Taquari foi o mais afetado.

Um mês depois, o governo do estado lançou o “Plano Estratégias para Ações Climáticas ProClima 2050”. O plano tem diversas etapas: propõe, por exemplo, fazer o inventário de emissões de gases de efeito estufa, análise de riscos e vulnerabilidade climática, descarbonização das cadeias produtivas, entre outros pontos.

O governador do estado, Eduardo Leite (PSDB), assinou uma carta-compromisso na qual promete intensificar soluções baseadas em uma economia de baixo carbono, gerar empregos verdes e impactar diretamente a redução de desigualdades e melhoria da qualidade de vida da população gaúcha.

Para chegar a esse objetivo, o governo lançou um programa com recursos da ordem de R$ 115,3 milhões a serem investidos em projetos da pauta ambiental. Destes, R$ 52 milhões seriam direcionados à agenda climática.

Plano estratégico para lidar com a crise climática no RS, lançado pelo governador do estado Eduardo Leite (PSDB), ainda está em implementação. Foto: Mauricio Tonetto/ Secom

Segundo consta em uma apresentação do ProClima 2050, o plano prevê um Comitê de Monitoramento e Alertas que seria responsável por dois grupos de trabalho: um de previsão, monitoramento e alertas e outro de comunicação de riscos e respostas.

O ecólogo Marcelo Dutra da Silva, professor e pesquisador na Universidade Federal do Rio Grande (Furg) e integrante de duas comissões municipais de mudanças climáticas na metade sul do estado, avalia que a tentativa de levar boas práticas de governança corporativa e sustentabilidade do sistema privado para o governo é ótima, no entanto, trava na falta de mobilização das pessoas.

“O governo fomentou a criação desses grupos, mas não houve avanços práticos. Para que se tenha uma política pública montada, precisaremos de mais informação. As comissões não serviram para acordar os municípios nem produziram ações efetivas”, diz.

As comissões da qual Silva faz parte foram incentivadas pelo Decreto 56.939, de março de 2023, e reforçadas na Instrução Normativa Sema n.º 04, de 12 de abril de 2023. Dos 497 municípios gaúchos, 492 criaram suas comissões.

Silva reforça a necessidade de uma presença mais atuante nas regiões. “A ideia das comissões é excelente, mas não se conseguiu ainda ter a força necessária para [o plano] ser aceito como algo significativo dentro da organização pública”, diz.

A reportagem questionou o governo sobre o que já foi entregue do plano. Em nota, o governo informou que entre as medidas em andamento estão:

  • A contratação de serviço de radar meteorológico pela Defesa Civil, que será instalado na região metropolitana de Porto Alegre e está em fase final de implementação.
  • Melhorias na Sala de Situação, responsável pelo monitoramento das chuvas e dos níveis dos rios
  • A implementação do roadmap climático dos municípios, que mapeará as ações relacionadas ao clima em esfera municipal.

O radar custará R$ 25 milhões, será instalado em Montenegro e ficará pronto até o final de agosto, com uma cobertura de 150 km de raio a partir do local de instalação, incluindo parte dos vales.

O site do ProClima 2050 está fora do ar, assim como diversos outros sites de órgãos públicos do Rio Grande do Sul.

Preocupação com desastres precisa impactar a agenda ambiental, aponta cientista

“Ao mesmo tempo que lança uma agenda em sintonia com os debates globais, o governo demonstra enfraquecimento da agenda ambiental”, critica Francisco Eliseu Aquino, professor do Departamento de Geografia do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “O que a gente precisaria fortalecer é o monitoramento de áreas de preservação, das zonas de encosta, margens de rio, e iniciar planejamento da expansão urbana”, afirma.

Aquino prevê cenários como o desastre atual há décadas. Ele alerta há pelo menos 20 anos sobre regiões sujeitas a risco no estado a partir de análises de mapas.

Segundo o cientista, o problema vai além da previsão, passando pela forma como se toma a decisão a partir da obtenção dos dados. A dificuldade de legislar para tornar as cidades mais resilientes é um exemplo de como as autoridades não vêm priorizando o assunto, segundo ele.

“Perdemos muito tempo. No mundo e no Brasil, temos tecnologia, ciência e pessoas capacitadas para contribuir em uma política nacional de enfrentamento à crise climática. Mas é imperativo que o tomador de decisão entenda que isso deva ser uma prioridade na agenda de desenvolvimento”, afirma Aquino.

Embora reconheça o empenho e capacidade da Defesa Civil na hora dos resgates, Aquino ressalta que o enfrentamento do tema requer medidas mais drásticas, como a criação de cinturões verdes nas cidades e a manutenção de uma legislação ambiental mais protetiva. Isso impacta novas formas de planejamento urbano, menos burocráticas, e com a natureza no centro.

“A gente facilita essas tragédias com a nossa baixa percepção de risco. Para que tenhamos uma população mais preparada, é preciso que o tema da mudança climática esteja presente desde o ensino fundamental até as decisões políticas. Isso é um conteúdo necessário para uma situação que todos nós teremos que lidar ao longo de nossas vidas”, sugere o professor.

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