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No aniversário do golpe militar na Argentina, nesta segunda-feira, 24 de março, milhares de argentinos foram às ruas para protestar contra a ditadura no país. Dada a postura negacionista do governo de Javier Milei e as feridas ainda abertas da recente repressão brutal à marcha dos aposentados em frente ao Congresso, uma mobilização massiva ocorreu em todo o país aos gritos de “Nunca Mais”.

A data é conhecida como Dia Nacional em Memória da Verdade e da Justiça e marca o início da ditadura no país (1976–83). Os protestos levaram às ruas uma das maiores mobilizações da história da Argentina. As projeções iniciais falam em cerca de meio milhão de pessoas. Uma das pautas mais fortes é o combate ao negacionismo histórico, já que o atual presidente Javier Milei nega que tenha havido ditadura na Argentina.

Os gritos de “São 30 mil” e “Foi um genocídio” ecoaram forte no ato principal, com a presença das icônicas Mães e Avós da Plaza de Mayo. Foi enviada uma mensagem clara a um governo que — em suas palavras — “desmonta não só as políticas de memória, mas o próprio Estado de Direito”.

As Avós da Praça de Maio, Mães da Praça de Maio, HIJOS, Familiares de Desaparecidos e Detidos por Motivos Políticos, a Assembleia Permanente pelos Direitos Humanos, o Espaço Memória, Verdade e Justiça, entre outras organizações, decidiram se unir e organizar em conjunto uma única marcha. A multidão percorreu a Avenida de Mayo, começando por volta das 14h30.

ditadura argentina protestos

(Foto: Eduardo Moreira/ ICL Notícias)

Desde 2006, sob o governo de Néstor Kirchner, divergências políticas — especialmente sobre o papel do kirchnerismo na reabertura dos julgamentos de crimes contra a humanidade — mantinham as convocações divididas: uma organizada pela Mesa de Organizações de Direitos Humanos (mais alinhada ao governo da época) e outra pelo Encuentro Memoria, Verdad y Justicia (ligado à esquerda).

Nestas segunda, todos resolveram se unir. Essa unidade tem um duplo significado. Por um lado, é uma resposta ao negacionismo do governo Javier Milei, que questiona tanto o número de vítimas como o caráter assassino da ditadura civil-militar. Por outro, representa uma denúncia coletiva ao avanço autoritário, visível na criminalização dos protestos e no cerceamento sistemático das liberdades democráticas.

Ditadura argentina começou em 1976

O golpe de 24 de março de 1976 integrou um plano continental de extermínio contra movimentos operários, militâncias populares e a esquerda. Através da Operação Condor — coordenada pelos EUA —, as ditaduras da Argentina, Chile, Uruguai, Brasil, Paraguai e Bolívia compartilharam inteligência e executaram repressão transnacional: desaparecimentos, torturas e assassinatos sem fronteiras.

Os discursos negacionistas e de ódio ganharam força na Argentina, encorajados pelo próprio governo Milei. Grupos que antes atuavam à margem agora justificam abertamente os crimes da ditadura — um clima de impunidade verbal ativamente promovido pelo poder. A imagem é de um governo — do presidente aos ministros — trabalhando incessantemente para apagar a história que construímos entre memória e justiça.

Analistas argentinos consideram que as semelhanças entre o governo Milei e a ditadura não são apenas ideológicas, mas de projeto político. Segundo eles, os setores econômicos buscam disciplinar a classe trabalhadora enquanto aprofundam um modelo de saque baseado em dívida e fuga de capitais.

(Foto: Eduardo Moreira/ ICL Notícias)

Protestos contra a ditadura

Segundo agências de notícia argentinas, a comitiva da ministra da Segurança, Patricia Bullrich, anunciou que não aplicaria o “protocolo antipiquetes”, como ocorreu no recente protesto dos aposentados. Mesmo assim, foi informado que continuariam monitorando a mobilização para coordenar os fechamentos de estradas afetadas pela passeata.

O governo Javier Milei aproveitou o Dia Nacional em Memória da Verdade e da Justiça — data criada em 2002 para lembrar das vítimas da última ditadura militar da Argentina, que durou de 24 de março de 1976 e 10 de dezembro de 1983 — para defender que se conte a “história completa”. Em vídeo distribuído à meia-noite nas redes sociais, é destacado que já havia violência política no país antes do golpe e que é preciso também listar os atentados terroristas praticados na época por militantes das organizações de esquerda.

Trecho de vídeo sobre a violência política na Argentina (Reprodução do Youtube/@casarosada)

O vídeo é narrado pelo escritor Agustín Laje, presidente da Fundação Faro um “think tank” defensor do liberalismo e expoente da batalha cultural que tem sido citada pelo governo. Laje diz na peça publicitária que foi montada pela equipe de comunicação da Casa Rosada que nasceu em 1989 e que, quando chegou ao ensino médio, havia no país um “processo de destruição da verdade histórica, para fins partidários, ideológicos e econômicos”.

Ele questiona o número de 30 mil desaparecidos durante a ditadura e critica a visão histórica predominante que foca apenas nas ações do governo militar. Laje argumenta que a narrativa histórica “tem sido manipulada para fins ideológicos”, afirmando que os estudantes do século 21 foram doutrinados com uma visão simplista dos eventos.

A campanha do governo gerou controvérsia, uma vez que a data foi estabelecida para lembrar as vítimas da repressão militar, e o dia acabou gerando ainda mais mobilização dos argentinos em resposta ao discurso e às ações de Javier Milei.

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