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André S. Afonso – Colaborador do Departamento de Pesca e Aquicultura (DEPAq) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e pesquisador do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) e na Rede de Investigação Aquática (ARNET), Universidade de Coimbra – The Conversation

Estudos estimam que entre 4.8 e 12.7 milhões de toneladas de detritos plásticos são despejados anualmente no ambiente marinho, e essa quantidade tende a aumentar, já que o crescimento do consumo de plástico é superior ao crescimento da capacidade de tratamento desses resíduos. Essa poluição pode comprometer a manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos que o mar nos oferece. E, embora o problema seja cada vez mais divulgado, como o oceano é elusivo e tudo o que ocorre debaixo do espelho de água se encontra além do nosso alcance visual, o impacto da poluição marinha pelo plástico passa geralmente despercebido.

Uma pesquisa realizada há uma década já calculava a quantidade total de plástico flutuando nos oceanos em pelo menos 5 trilhões de partículas, com peso superior a 250 mil toneladas. Esse cálculo não incluía a quantidade muito maior de partículas que se afundam na coluna de água e se depositam nos fundos marinhos, que atualmente já contabilizam 14 milhões de toneladas. A dimensão desses poluentes varia entre macroplásticos, de tamanho considerável e perfeitamente visíveis a olho nu, aos microplásticos, de tamanho inferior a 5 mm e muitas vezes resultantes da fragmentação de objetos maiores.

FAUNA MARINHA COMPROMETIDA
Tal nível de poluição é extremamente preocupante porque a fauna marinha é fortemente impactada pelos detritos plásticos, tanto devido ao emaranhamento quanto à ingestão. E a diversidade de espécies afetadas é vasta: inclui aves, mamíferos, répteis, peixes, e até mesmo invertebrados.

Uma revisão recente da literatura identificou 701 espécies afetadas por ingestão de plástico. Não só estes animais ingerem o material por confundi-lo com alimento, como também se verifica a ocorrência de transferência de plástico através das teias tróficas (ou cadeias alimentares entre organismos de uma comunidade), com os predadores sendo contaminados com os detritos que as suas presas ingeriram.

A mesma revisão de literatura identificou ainda 354 espécies afetadas por emaranhamento em detritos plásticos. Em Pernambuco, por exemplo, 3% dos tubarões tigre amostrados numa pesquisa recentemente publicada encontravam-se emaranhados em lacres plásticos circulares tipicamente utilizados para selar caixas de papelão, apresentando deformações anatômicas e ferimentos severos causados pela abrasão e tensionamento desses materiais.

Na Bahia, peixes recifais foram detectados exibindo materiais plásticos em forma de colar, provenientes de sacolas de plástico e de tampas de garrafa, encaixados em seus corpos. Estes emaranhamentos prejudicam diretamente a capacidade de locomoção, oxigenação, e alimentação desses animais, assim comprometendo a sua sobrevivência no curto prazo. Já na fauna com respiração pulmonar, como aves, mamíferos e répteis, o emaranhamento pode ainda impedir que retornem à superfície para aceder ao ar atmosférico, levando ao seu afogamento.

Outro exemplo muito reportado de emaranhamento de fauna marinha é a chamada “pesca fantasma”, em que redes e apetrechos de pesca perdidos no mar capturam animais e produzem mortalidade, apesar de se encontrarem abandonados. No entanto, é necessário ressalvar que 80% dos detritos plásticos que circulam nos oceanos são provenientes do ambiente terrestre, e não das atividades náuticas.

RESPONSABILIDADE HUMANA
Inventado há mais de cem anos, o plástico rapidamente se infiltrou em nossos cotidianos, devido às suas características moldáveis, elevada resistência e baixo custo de produção, trazendo múltiplos benefícios tanto para o setor industrial como para os consumidores e sociedade em geral. E a produção global de plástico vem aumentando vertiginosamente nas últimas décadas, atualmente rondando as 400 milhões de toneladas anuais.

Paradoxalmente, a elogiada durabilidade desses materiais se revelou um atributo nefasto quando o seu descarte é feito de forma indevida, já que o plástico pode levar centenas ou milhares de anos para se decompor. Em consequência disso, uma quantidade imensa do material tem se acumulado na Natureza ao longo do tempo, sendo que uma proporção considerável termina nos oceanos.

Num Antropoceno já caracterizado por uma imensurável pressão humana sobre os oceanos, que tem levado ao empobrecimento ecológico desse ecossistema, adicionar um mais fator de estresse, como a poluição por plástico, poderá revelar-se particularmente nocivo. Efetivamente, a diversidade infindável de formas e tamanhos dos materiais plásticos que compõem os nossos hábitos de consumo oferece todo um gradiente de potencial encaixe a qualquer animal que com eles se cruze, tornando a compatibilidade inevitável. Não só as minúsculas larvas de peixe interagem com os microplásticos, dos quais o glitter carnavalesco é um tóxico exemplo, como os grandes predadores e filtradores marinhos sofrem por ingerirem materiais plásticos ou neles se emaranharem.

É, portanto, urgente alcançar mudanças efetivas na forma como a sociedade e o indivíduo se relacionam com o plástico. A capacidade de limitar o descarte indevido do plástico e de promover a sua reciclagem e reutilização depende, parcialmente, da atitude individual, pelo que a adoção de comportamentos ambientalmente sustentáveis deverá ser assumida coletivamente por todos nós.

Porém, alcançar o objetivo social de eliminar a poluição por plástico é uma tarefa complexa e demorada. Antes que ela se torne possível, portanto, é necessário mitigar rapidamente o seu impacto, com ações como a limitação do uso de plásticos em formato circular, mais propensos ao emaranhamento, e a promoção de soluções que sejam mais inofensivas para a fauna marinha.
* Esta matéria é de autoria de site parceiro, que se responsabiliza pelo conteúdo publicado

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