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STM julga hoje militares que mataram músico com 60 tiros; viúva teme Justiça ‘falha’

Luciana Nogueira espera que julgamento de recurso no Superior Tribunal Militar mantenha condenações
29/02/2024 | 05h54

Por Luiz Almeida

O domingo de 7 de abril de 2019 está marcado para sempre na vida de Luciana dos Santos Nogueira. Naquela manhã, a enfermeira saiu de casa com o marido Evaldo Rosa dos Santos, o filho do casal, então com 8 anos, e o pai para um chá de bebê.

A execução

No caminho, quando passavam pela Estrada do Camboatá, em Guadalupe, na zona norte do Rio de Janeiro, o carro da família foi alvejado por mais de 60 tiros de fuzil disparados por militares do Exército, que não chegaram sequer a abordar o veículo.

Baleado, Evaldo dos Santos não resistiu e morreu no local — o pai de Luciana também foi atingido, mas conseguiu sobreviver. O catador de materiais recicláveis Luciano Macedo tentou socorrer Evaldo, mas foi fuzilado pelos militares e também morreu.

“Tudo mudou na minha vida. É uma mistura de sentimentos: tristeza, saudade. Sofremos até hoje e aguardamos por Justiça, para que a morte do Evaldo não seja apenas mais uma nas estatísticas”, revela Luciana.

Julgamento pelo STM

Nesta quinta-feira (29), o Superior Tribunal Militar (STM) vai julgar recurso apresentado pela defesa dos oito militares condenados por matar Evaldo e Luciano.

O tenente Ítalo da Silva Nunes foi sentenciado a 31 anos e seis meses e outros sete militares receberam pena de 28 anos cada um. Todos, no entanto, continuam em liberdade até o julgamento do recurso.

“Gostaria de ir ao julgamento, mas não tenho dinheiro para a passagem até Brasília. É muito cara. Acompanhar de longe me faz ficar ansiosa, mas espero que a Justiça Militar dê uma resposta”, diz a enfermeira.

ICL Notícias — Passados cinco anos, os militares, mesmo condenados, estão soltos. O que a senhora espera desse novo julgamento? 

Luciana Santos Nogueira — Dá um medo muito grande, porque nós sabemos que no Brasil a Justiça é falha, que muitas vezes ela não ocorre. E eu fico muito preocupada por saber que eles são julgados pelos próprios militares. Estou muito ansiosa, tensa, com esse julgamento. Espero que seja feita justiça, porque ainda não aconteceu. Atacaram uma família, deixaram sequelas.

A senhora acredita na Justiça?

Eu preciso acreditar para me manter de pé. Preciso ter fé para acreditar que meu marido não vai ser mais um nas estatísticas.

Na primeira instância, os oito militares foram condenados a penas que variam entre 28 a 31 anos de prisão. É justa a sentença, mesmo com todos ainda em liberdade?

A meu ver, a pena deveria ser maior. E tenho muito medo que as penas possam ser reduzidas, que o STM modifique as sentenças, que não ocorra a justiça. Mas espero que as condenações de 28 a 31 anos em regime fechado possam servir de lição para que isso nunca aconteça com outras pessoas.

O carro em que Evaldo estava com a família, logo após o ataque dos militares

A defesa dos militares alega que não dava para evitar o que aconteceu naquela manhã. O que a sra. acha dessa alegação?

Eu digo que dava, sim, para ter sido evitado. Não teve ordem de parada, não teve nenhuma abordagem. Nós não apresentávamos qualquer perigo. Pelo contrário, nós fomos atacados. Mataram um pai de família, deixaram um filho órfão de pai. Eles deixaram uma criança que chora quando é domingo, quando é Natal, quando é aniversário. Deixaram um menino com trauma. Eles não têm noção da crueldade que causaram na minha família.

Como tem sido o dia a dia dele após aquele domingo? Seu filho faz algum tipo de tratamento?

Ele faz tratamento psicológico e com psiquiatras há cinco anos. É uma criança traumatizada, que vive com TOC, com tremedeira. Não pode ouvir barulho porque traz a lembrança do dia 7. O que passamos e vivemos naquele dia, levamos para o resto da vida.

E nós nos mudamos de Guadalupe, onde sempre vivi. Nunca mais passei pelo local. A vida tem sido de saudades, de lembranças. E eu preciso ser forte porque tenho um filho para criar sozinha.

Em 2023, a Advocacia-Geral da União fechou acordo para pagar indenização pela tragédia do 7 de abril. A senhora já recebeu?

Ainda não. Fiz acordo, mas ainda não recebi. Está como um precatório, sem previsão de quando o pagamento vai realmente ocorrer. Mas nenhum valor vai trazer de volta a vida do meu marido. Nada vai aliviar a saudade e a dor que a nossa família vive diariamente.

 

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