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Adaílton Moreira Costa

Babalorixá do Ile Axé Omiojuarô, Doutorando em Bioética PPGBIOS UFRJ. Mestre em Educação Proped UERJ. Graduado em Ciências Sociais PUC RJ

Surú, a paciência

A gente faz tanta questão de mundos idealizados e o melhor mundo é o que estamos vivendo
05/01/2024 | 02h13

Em um lugarejo bem distante da cidade grande, havia um homem que era muito ansioso, seu nome era Kóia Kóia, ele era um agricultor (Okô).

Sua forma de lidar com a vida era muito distante da realidade dos moradores deste lugar, pois eram pessoas muito tranquilas e felizes, o que incomodava muito Kóia Kóia, em função deles serem muito calmos.

“Povo abestalhado, são muito parados, parece que nasceram dormindo!”

Kóia kóia só vivia reclamando de seus conterrâneos, se incomodando com tudo, queria tudo ao tempo e à hora, era um homem muito irritadiço e impaciente.

Os moradores ficavam sem entender por que ele era daquela forma, já que foi criado com aquelas pessoas desde sempre, era a sua cultura, sua maneira de viver.

Tudo que ele fazia não dava certo, ele não cuidava direito do solo, mas queria ter uma boa colheita mesmo sem ter cuidado da terra, e ainda queria colher antes do tempo.

Sua frutas e legumes não tinham bom sabor, eram pêcas, insossas, pois tinham sido tiradas antes do tempo, não esperava a boa lua, a época das chuvas, era um apressado.

Todos lhe diziam: “Calma Kóia Kóia, assim você não vai conseguir nada na vida, aprenda a esperar o seu tempo, e o tempo das coisas!”

Ele resmungava entre os dentes: “Vou esperar nada não, povo lerdo!”

Homem soberbo e arrogante com ele mesmo, pois não percebia o mal que ele estava causando a si, nervoso, ansioso, irritadiço e mal humorado.

Seu jeito de conceber a vida o fazia ser cego ante sua teimosia que só o prejudicava e o adoecia. Seus vizinhos começaram a se preocupar com ele, e comentavam entre si, como poderiam ajudá-lo.

Kóia Kóia estava se tornando uma pessoa sem sono, entristecido e desanimado, tratava mal sua família, estava perdendo os amigos de toda uma vida, mas o mais prejudicado era ele mesmo.

Ele chorava muito sozinho durante a noite, se sentia um derrotado, mas não queria dar o braço a torcer, jamais iria pedir ajuda a ninguém, seu orgulho não deixaria, ele tinha pressa.

Os moradores do lugar resolveram pedir ajuda a uma velha senhora muito idosa e sábia, o nome dela era Surú (paciência), lhe expondo a situação de Kóia Kóia.

A velha senhora lhes disse que o melhor a fazer era deixar que ele fosse embora, pois precisava conhecer outras experiências da vida, outros lugares e formas de perceber o seu mundo e os diversos mundos.

Assim os moradores ouviram a orientação da velha senhora e deixaram de se incomodar com ele.

Foram ao encontro de Kóia Kóia  e falaram que tiveram com Surú (paciência) e contaram o que a idosa havia dito, e lhe incentivaram a viver em outro lugar, que ali ele não teria um bom futuro mesmo.

Ele começou a amadurecer a ideia de ir embora em busca da civilização e do desenvolvimento.

Certo dia ele resolveu que iria sair de seu lugarejo, de perto daquela gente atrasada e lerda.

“Vou para a cidade grande, lá as coisas acontecem, as pessoas são mais ativas!”

Arrumou sua trouxa e saiu pela estrada em busca do mundo que corre, que gira, como uma esfera, sem parar.

Ao chegar na cidade grande, ele procurou informações sobre lugar para dormir, já estava tudo ocupado. As pessoas não queriam dar abrigo a um estranho. Ele abordou pessoas na rua pedindo informação sobre trabalho, mas estavam todos com muita pressa para parar e lhe dar atenção, pois elas tinham que trabalhar e já estavam atrasadas.

Ele resolveu parar em uma feira para comprar umas frutas para comer. As frutas eram de um sabor maravilhoso, ele perguntou ao feirante onde eles conseguiam frutas tão frescas e saborosas.

O feirante lhe respondeu que vinham de um lugarejo perto do Rio real (seu lugarejo), de uns agricultores super cuidadosos com o seu plantio e colheita, respeitando o tempo certo, e por isso as frutas eram tão boas.

Foi chegando a noite e Kóia Kóia começou a ficar preocupado.

“Onde irei dormir?”

Ninguém quis lhe dar abrigo, pois não o conheciam e nem tinham espaço pra abrigá-lo. A noite foi muito fria e pela manhã ele percebeu que aquelas pessoas não tinham tempo para ele..

Elas tinham pressa!

Voltou para casa, para o seu lugarejo, sua família, e aprendeu a respeitar o tempo dele e das coisas!

Kóia Kóia deu-se conta de que o melhor lugar para ele era o seu lugar, de onde jamais deveria ter saído, e que Surú (paciência) estava certa: deveria valorizar o que estava nas suas mãos e estava deixando escapar com sua cegueira arrogante.

Quanto tempo ele perdeu em busca do tempo que achava ter perdido ao viver em seu lugarejo?

Pois é, às vezes a gente faz tanta questão de mundos idealizados e super valorizados que não damos conta que o melhor mundo é o que estamos vivendo.

É preciso encontrar Surú (paciência) que está ao nosso lado, pois tendemos a viver a corrida dos ratos de uma maneira emergencial e inútil, buscando o “ouro de tolo”, que só brilha mas não tem valor!

Aprenda com Surú, esta velha senhora, sábia, experiente e paciente!

SURÚ A PACIÊNCIA!

 

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