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Chico Alves

Jornalista, por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe do jornal O DIA. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho. Atualmente é editor-chefe do site ICL Notícias.

Tarcísio, o ‘moderado’ mais radical que já se viu por aí

A declaração desrespeitosa o torna um pouco mais parecido com o tosco Bolsonaro
09/03/2024 | 12h42

Políticos de direita gozam de certas benesses semânticas que não se estendem aos de esquerda. Enquanto Lula, mesmo depois de décadas de conciliação com o centro e a direita, continua sendo pintado como um radical que volta e meia estimula o “nós contra eles”, os verdadeiros extremistas têm a benevolência da imprensa.

Basta lembrar o tratamento dispensado a Jair Bolsonaro durante quase toda sua carreira política e em especial na campanha presidencial. Mesmo diante da apologia feita a torturadores da ditadura militar, defesa do assassinato de adversários políticos, estímulo à execução sumária por parte da PM, manifestações de misoginia, homofobia e racismo, veículos importantes da mídia brasileira — como a Folha de São Paulo, por exemplo — resistiram a classificá-lo como um legítimo espécime da extrema-direita.

Até mesmo as lorotas diárias que Bolsonaro emitia no cercadinho ou em discursos pelo Brasil quando era presidente passaram muito tempo sem ser classificadas pelo termo mais adequado: mentiras. Só depois de muitos meses a imprensa se rendeu à ideia de que o presidente do país era um cascateiro patológico e passou a tratá-lo como tal.

Fenômeno parecido ocorre agora com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Apesar de ter participado ativamente do tresloucado governo de Bolsonaro, de ter sido o representante bolsonarista na eleição estadual e de ter várias afinidades ideológicas com o chefe, o jornalismo convencionou tratá-lo como “moderado”.

Na forma, Tarcísio é realmente mais palatável. Tem a fala mansa, gestos contidos (a não ser quando dá marteladas em algum pregão da Bolsa), não ameaça jornalistas de agressão, e não expele perdigotos, como Bolsonaro. No campo político, age como conciliador e já teve vários encontros amistosos com Lula.

No conteúdo, no entanto, é mais um que tem se mostrado afinado com a extrema-direita, por mais que a imprensa se recuse a rotulá-lo assim.

Sob esse jeitão aparentemente mais comedido, o governador de São Paulo vai investir nas famigeradas escolas cívico-militares (em que policiais ganharão mais que os professores); sucateou as delegacias da mulher; acabou com a Secretaria de Pessoas com Deficiência; tem na Secretaria de Políticas da Mulher uma titular que é antifeminista e se coloca contra o aborto até em casos de estupro, entre outras barbaridades.

Mas Tarcisio se destaca negativamente mesmo é na área que a extrema-direita brasileira vê como essencial: a segurança pública.

A nomeação de Guilherme Derrite, um apólogo da morte, para a Secretaria de Segurança Pública não deveria deixar dúvidas. Mas não faltam confirmações: a recusa em fazer os PMs usarem câmeras corporais, a promoção de policiais da Rota à cúpula da corporação e principalmente as 60 mortes em confronto com a polícia nas duas operações realizadas na Baixada Santista.

Em pouco mais de um ano de gestão, Tarcísio conseguiu transformar a polícia de São Paulo, que passava longe de ser padrão, mas não estava entre as mais letais do país, em máquina de morte e desrespeito aos direitos fundamentais dos cidadãos pobres. A ponto de ser denunciada à ONU.

Nesta sexta-feira (8), o governador avançou um pouco mais. Zombou dos parentes, amigos e defensores das vítimas da violência da PM que denunciaram as ilegalidades cometidas pelos fardados.

“Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse o governador ao jornalista Rodrigo Rodrigues, do G1.

A declaração desrespeitosa o torna um pouco mais parecido com o tosco Bolsonaro, algo que certamente deverá render dividendos políticos.

Basta, porém, que daqui a alguns dias volte a falar manso para que mais uma vez seja tratado como “moderado” pela imprensa.

Enquanto isso, o jornalismo lavajatista continua a tratar Lula, o político que conseguiu costurar uma das frentes mais amplas da história da política brasileira, como o radical que fomenta o “nós contra eles”.

E assim caminhamos para o buraco, como se estivesse tudo normal no Brasil.

 

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