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Andrea Dip

Jornalista investigativa e estudante de psicanálise. Autora do livro-reportagem “Em nome de quem? A bancada evangélica e seu projeto de poder". É pesquisadora na Freie Universität de Berlim e apresenta o podcast Pauta Pública na Agência Pública de Jornalismo Investigativo.

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Terremoto político na Alemanha

Conservador Friedrich Merz, que deveria tomar posse como novo chanceler, não consegue votos suficientes no parlamento
06/05/2025 | 08h52
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Estava tudo preparado. O ex-chanceler da Alemanha, Olaf Scholz (SPD), deixaria oficialmente o cargo nesta terça-feira (6), em uma cerimônia tradicional das Forças Armadas. Escolheu as músicas de sua despedida: “In My Life”, dos Beatles, um trecho do Segundo Concerto de Brandemburgo, de Johann Sebastian Bach, e “Respect”, eternizado por Aretha Franklin.

O dia também marcaria a posse de Friedrich Merz — após semanas de negociações difíceis para formar a coalizão entre seu partido CDU e o SPD — como novo chanceler do país.

Mas não foi o que aconteceu. No fim da manhã, os jornais alemães anunciavam com espanto o revés sofrido por Merz: ele ficou 6 votos aquém dos 316 necessários para se eleger, o que significa que inclusive alguns membros da coalizão votaram contra sua posse.

É uma reviravolta inédita, histórica e simbólica: nunca antes na história da Alemanha moderna um chanceler designado falhou no primeiro turno de votação no Bundestag após eleição federal e negociações de coalizão bem-sucedidas.

A derrota não é fatal — outra votação provavelmente ocorrerá dentro de alguns dias — mas o resultado é humilhante para um político que já estava lutando para manter seu apoio dois meses após a eleição e em meio a críticas lançadas pelo governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Novas votações devem ocorrer nos próximos dias e ainda que não alcance os 316 votos, um terceiro turno pode acontecer, em que bastaria a votação de mais da metade dos membros do Bundestag.

Votações com novos candidatos também são possíveis, porém improváveis. Riscando fósforos no palheiro, representantes do partido Alternativa para Alemanha (AfD) — que foi recentemente oficializado pela inteligência alemã como extremista de direita — fizeram declarações à imprensa e também nas redes sociais dizendo que não vão se opor a um segundo round nos próximos dias mas que também esse poderia ser o momento de atender o chamado das massas.

A presidente do partido Alice Weidel disse: “Como AfD, nós nos propusemos a virar este país de cabeça para baixo. Estamos prontos para assumir a responsabilidade do governo. E pedimos que o bom senso prevaleça. O Sr. Merz deve renunciar imediatamente. O caminho deve ser aberto para novas eleições em nosso país!”

O Partido também publicou no X uma foto de Merz cabisbaixo dizendo: “Chanceler sem maioria”.

As provocações da AfD encontram ecos poderosos. Pesquisas de opinião mostram que a popularidade de Merz já está em declínio antes mesmo de ser empossado.

De acordo com uma pesquisa realizada em abril pelo instituto Forsa para a revista Stern, apenas 21% dos entrevistados consideravam Merz confiável. A mesma pesquisa mostrou que apenas 40% dos entrevistados consideram o novo chanceler um líder forte.

Enquanto isso, a AfD se consolida hoje como a maior força política na Alemanha em popularidade. As últimas pesquisas de opinião mostravam o partido de extrema direita com 26% de aceitação.

Segunda força no parlamento, a AfD tem sido barrada por um cordão sanitário criado por outros partidos que se recusam a fazer parcerias e coalizões. Para determinar o novo chanceler, o CDU de Merz, que recebeu a maioria dos votos nas eleições federais de fevereiro, teve que “pular” o segundo colocado AfD e negociar coalizão com o partido de centro esquerda SPD.

Friedrich Merz durante discurso contra política migratória. (Foto: TOBIAS SCHWARZ/AFP)

As negociações foram difíceis e demoradas. E esse fracasso de Merz mostra que ainda não estão consolidadas dentro das próprias trincheiras.

Merz tornou-se membro do CDU em 1989 e é um veterano do partido sem experiência governamental. Ele deixou a política no início dos anos 2000, após perder uma disputa de poder com Angela Merkel — de quem guarda ressentimentos — e passou uma década no setor privado, antes de retornar à política em 2018, quando Merkel deixou a liderança do partido.

No caldeirão que ferve Merz entram a recessão econômica do país que está em seu segundo ano consecutivo, a guerra entre Rússia e Ucrânia, a invasão de Israel à Palestina — a Alemanha tem apoiado militarmente Ucrânia e incondicionalmente Israel — o mal-estar com o governo Trump, que declarou apoio à AfD em diversas ocasiões, o crescimento vertiginoso da extrema direita que culpabiliza a migração por todos os seus males, aumenta a xenofobia e valida discursos de ódio e a eminência de uma Terceira Guerra Mundial.

Ainda que seja empossado como novo chanceler, o conservador Merz chegará ao poder fragilizado. Será um verão diferente em Berlim.

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