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Os segredos de Textor: o lado B do milionário americano que comprou o Botafogo

Falências, parceria com magnatas russos e acusações de pirâmides financeiras estão na trajetória desse personagem pouco conhecido
19/08/2024 | 05h00

Por Lúcio de Castro*

Vestindo capa de mocinho, bandeira da modernidade na mão, estrela de xerife da moralidade no peito e apontando o dedo para os pecados do Terceiro Mundo. Como num roteiro de cinema, John Charles Textor desembarcou no Brasil.

Ato seguinte, assumiu o controle do Botafogo, transformado em Sociedade Anônima do Futebol (SAF) em 11 de março de 2022, e inscrita também no registro de empresas da Flórida em nome dele como “SAF Botafogo USA Inc.”, em 28 de abril de 2022.

Dois anos depois, numa terça-feira, 22 de abril, Textor estava no Senado Federal, na condição de protagonista e agendado para prestar o depoimento mais esperado da “CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas”. Às 15h16, jurou dizer a verdade.

Com tradução simultânea, transmissão ao vivo e cobertura de toda imprensa, desfilou uma série de denúncias sobre manipulação de resultados nos jogos dos campeonatos aqui realizados. Com base unicamente em análises comportamentais feitas por Inteligência Artificial na empresa por ele contratada, citou árbitros, falou sobre adversários beneficiados, disse que “os jogos de 2022 e 2023 foram manipulados contra os nossos principais adversários” e que os relatórios que recebe sobre outros países “não enxergam o nível de manipulação de resultados como nós temos aqui em nenhum outro lugar”. No ano anterior, já tinha falado em “corrupção e roubo”.

Às 15h28, exatos 12 minutos depois de disparar incessantemente a metralhadora giratória contra tudo e todos sem qualquer prova factual, fez uma pausa e, ato contínuo, sacou as credenciais para estar na Casa Alta do país. “Muitas pessoas não sabem o que produziu a riqueza para que eu pudesse comprar a empresa e estar aqui hoje. É que eu fui o fundador de uma empresa de Inteligência Artificial e, com esse dinheiro, pude comprar um time”.

John Textor fala no Senado. (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

A declaração sobre como fez a riqueza não dá conta da história toda. Ficaram faltando os caminhos. E os métodos.

Como em toda boa trama hollywoodiana, existem mistérios na jornada do herói. Lacunas de um quebra-cabeças ainda a ser montado.

É no rastro da infinidade de documentos públicos produzidos em mais de duas décadas  que esse personagem é revelado por inteiro. Os registros estão por toda parte. Nos tribunais americanos, nos processos da Comissão de Valores Mobiliários, no histórico de falências, em instituições da burocracia da Flórida, nas denúncias por ser o mentor de pirâmides financeiras.

No caminho do dinheiro. Numa imensa caixa-preta.

E acima de tudo, nas conexões. Entre elas, uma sombra indelével: a onipresença de milionários ligados às oligarquias russas. E uma rede de negócios extensa. Extensa e intricada.

Alguns nomes atravessam esse círculo ao longo dos anos em interseção com o agora cartola de futebol, de 58 anos, natural de Kirksville, Missouri, centro-oeste dos Estados Unidos, e uma vida na Flórida. Dois russos e dois suíços, todos com estreitas ligações junto aos oligarcas do poder surgidos no pós-União Soviética.

Sergey Skaterschikov, onipresente nas relações comerciais de Textor. Além dele, Ivan Shabalov (GS Finances), Alexander Studhalter e Bernhard Burgener, os dois últimos suíços, ambos ligados ao HLEE Group.

No fim dessa história, depois de passarem por diversos países e paraísos fiscais, a imensa teia se conecta em um só lugar. Um pacato endereço de Basileia, Suíça.

A entrada no futebol e um histórico co-investidor

De 2021 para cá, John Textor entrou de sola no mundo do futebol.

Desde então, quatro clubes ao redor do mundo ganharam o selo “Eagle Football Holdings”, a rede de empresas do empresário para aquisição e gestão de times: Crystal Palace (Inglaterra), Botafogo, RWD Molenbeek (Bélgica) e Olympique de Lyon (França). Na última semana, Textor recebeu um período de prioridade para negociar a compra do inglês Everton.

A Eagle tem Textor como acionista majoritário, com 55,48% e a participação de empresas como YMK Holdings, Ares Management Corporation, Iconic Sports e Elmwood Partners.

Um nome segue passando batido nas aquisições de Textor: o Index Atlas Group. Fundo de investimentos aberto em Nova Iorque no ano de 2000, e que se mudou para a Suíça em 2017. Com origem em Moscou, onde o escritório foi fechado.

Sem maior barulho sobre a parceria com Textor no futebol, falando apenas nos relatórios para investidores em situações pontuais. Como na aquisição do Olympique de Lyon, onde consta como o grupo que organizou a transação.

Em resposta para o ICL Notícias sobre o envolvimento da empresa com o dono do Botafogo no futebol e em outros negócios, a Index Atlas, através da assessoria, confirmou os investimentos realizados em parceria com Textor. “A IndexAtlas co-investiu e/ou aconselhou o Sr. Textor em diversas transações no passado”. Questões foram enviadas pela reportagem também para Textor em diferentes ocasiões, através da assessoria de imprensa da SAF Botafogo, por telefone e e-mail, assim como para a Eagle Football, sempre sem resposta.

Mesmo em negociações de Textor no futebol que não se concretizaram, a exemplo do tradicional Benfica, de Portugal, a atuação do fundo de Skaterschikov era próxima em datas com a do americano, como entre 13 de julho de 2021 e 13 de janeiro de 2022, quando Benfica, Textor e a Index Atlas protagonizaram uma série de movimentos paralelos na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) de Portugal, tanto na compra de ações como na desistência de ambos, como mostram os documentos obtidos pela reportagem. O fundo nega parceria com Textor no Benfica.

Benfica anuncia que Textor comprou ações

Index Atlas anuncia compra de ações no Benfica

Parceiro de Longa Data

O empresário russo Sergey Skaterschikov é o dono do Index Atlas. Embora o nome não apareça no registro de abertura no equivalente à junta comercial da Suíça, no site da empresa está assim: “O sr. Skaterschikov continua sendo 100% proprietário do Index Atlas Group”.

Os caminhos de Textor e Sergey Skaterschikov se cruzam muito além dos negócios do futebol. E as teias também. Em dimensão suficiente para fazer do russo um co-protagonista ao longo dessa história. Uma parceria em investimentos definida assim pela Index Atlas, via assessoria: “O sr. Skaterschikov é proprietário da Index Atlas e aconselhou e co-investiu com o Sr. Textor em diversas transações no passado”.

Nos anos mais recentes, antes de entrar no mundo da bola com sua Eagle Football, o principal negócio de Textor vinha sendo a Pulse Evolution. Onde a relação com a Index Atlas, de Sergey Skaterschikov, também esteve presente.

Sergey Skaterschikov

A Pulse Evolution é uma startup fundada por Textor em 2014, em cima dos escândalos que o negócio anterior, a Digital Domain, deixou para trás em 2012. Antes de se chegar aos últimos anos e toda essa sequência frenética que marca a operação Pulse Evolution e a história de Sergey Skaterschikov, vale recuar um pouco até a Digital Domain. Entre a compra em 2006 e a quebra, em 2012.

Milhões em verba pública, omissão de dados, cooptação de parlamentar e pirâmide financeira

O marco inicial dessa história ocorre em 16 de maio de 2006, quando Textor fez um lance ousado: por meio da sua Wyndcrest Holdings, comprou a Digital Domain, com sede na Califórnia. Com ele estavam outros investidores e sócios: Jonathan Teaford, o diretor de cinema Michael Bay e o ex-executivo da Microsoft, Carl Stork.

A Digital Domain era a mítica empresa californiana fundada em 1993 por nomes como James Cameron, Stan Winston e Scott Ross. Dona de um portfólio estelar, como os efeitos visuais de “Titanic”, entre outros, e algumas estatuetas do Oscar na prateleira.

O primeiro ano de Textor na empresa foi de perdas significativas. Relatório da CVM americana mostra prejuízos de US$ 20 milhões nas operações.

Assim como 2007, o ano de 2008 também foi de seguidos empréstimos e dívidas crescentes. Na iminência de perda total, o novo dono da Digital Domain Califórnia sacou um coelho da cartola. Textor tinha um plano simples de entender em linhas gerais:

  • A primeira parte era a criação de uma nova empresa: a Digital Domain Flórida.
  • Valendo-se do histórico e fama mundial da Digital Domain da Califórnia, prometia reproduzir tudo aquilo na Flórida. Com isso, obteria subsídios estatais. Era o “Projeto Bumblebee”.
  • Obtidos os subsídios estatais com a Digital Domain Flórida, o passo seguinte seria promover a fusão e salvar a Digital Domain Califórnia, prestes a ser entregue aos credores. Uma clássica pirâmide financeira, de acordo com o entendimento verificado em diversos depoimentos na justiça.

Assim, o passo seguinte para botar o plano em execução foi ir atrás de dinheiro público.

O mercador de ilusões: Textor promete uma nova Hollywood para obter verba pública

No dia 3 de dezembro de 2008, às 13h, depois de inúmeras festas promovidas para receber o governador da Flórida e intensas agendas em comum, Textor estava no gabinete do mandatário republicano no estado, Charles Crist. Com um PowerPoint de vinte páginas, lembrou as glórias da Digital Domain Califórnia.

Nenhuma linha da apresentação citava a dramática condição financeira da empresa. Prometeu centenas de empregos com salários médios anuais de US$ 64.233 mil, fora benefícios.

Na virada de 2009, John Textor apeou oficialmente seu novo negócio numa Flórida devastada pela recessão americana.

Trazia o remédio. E vendia sonhos. Como um mercador de ilusões.

John Textor não fez por menos. Batizou o futuro de Port St. Lucie com um nome carregado de poesia. Em breve, aquele pedaço da Flórida, com 165 mil habitantes e a 192 quilômetros de Miami, seria a “Hollywood do Oriente”. Luzes, holofotes, glamour, prosperidade e uma nova febre do ouro, tudo convergindo para lá.

Modus Operandi: dívidas, empréstimos e financiadores

Em 22 de janeiro de 2009, a Digital Domain apresentou um pedido de subsídio no valor de US$ 20 milhões para o governo do estado da Flórida, encaminhado via Enterprise Florida, a instituição encarregada de avaliar financiamento para potenciais projetos de desenvolvimento econômico no estado.

Três meses depois, diligências feitas, análise concluída, veio a resposta da Enterprise Flórida. Mais do que uma resposta. Um raio-x completo cuja descrição serviria profeticamente para traçar um modus operandi repetido ao longo do tempo e em outros negócios. Exatamente no dia 16 de abril de 2009:

“Finanças da empresa extremamente fracas…litígios recentes e modelo de negócios insustentáveis, não podendo atender à relação de retorno de 5 para 1 exigida”.

Veredito: Não.

Trecho do relatório que fala na relação de 5 pra 1 de retorno

O “Projeto Bumblebee” não atendia aos requisitos de elegibilidade para o programa de incentivos econômicos da Enterprise Florida, que se recusou a recomendar o financiamento estatal de US$ 20 milhões.

Textor não se fez de rogado. Montou sua banca de lobby na Câmara dos Representantes da Flórida e incrementou novamente o cerco ao gabinete do governador Charles Crist. Atuando nas sombras, deu uma volta no relatório da Enterprise Flórida.

Trecho do lobby para driblar a lei

Uma investigação do fim de 2009 do Palm Beach Post, com uma série de reportagens sobre irregularidades no processo mostrou que, em abril, no apagar das luzes da legislatura daquele ano, duas salvaguardas na lei de cessão de incentivos foram removidas. Com uma emenda, o governador recebeu autonomia para sancionar lei de concessão dos incentivos. A Digital Domain levou US$ 20 milhões e as outras oito dividiram os outros US$ 20 milhões. Tudo protegido pelo sigilo que transformou o nome de cada empresa em um código, uma espécie de orçamento secreto versão Flórida. Dois meses depois, em 30 de junho, saiu o benefício.

A gambiarra que permitiu dar uma volta na negativa do subsídio se deu assim: o deputado republicano Kevin Ambler apresentou uma disposição no orçamento do estado que dava autoridade ao “Gabinete do Governador de Turismo, Comércio e Desenvolvimento Econômico” (OTTED) para conceder incentivos de desenvolvimento econômico com o propósito de criar altos empregos assalariados e recrutamento de empresas para a Flórida. E então, sem passar mais pela Enterprise, todos os alertas de caos financeiro da Digital Domain que geraram a negativa do empréstimo foram varridos para baixo do tapete do governador.

Poucos dias depois, Textor doou US$ 5 mil para a conta da campanha do governador Charles Crist, US$ 2 mil para Kevin Ambler, e US$ 1.500 para David Rivera, o responsável pela Comissão de Orçamento Legislativo, ambos republicanos, fundamentais na alteração da regra. Mais do que o valor doado, Textor deu o intangível: organizou arrecadação de fundos para Kevin Ambler em Palm Beach e conseguiu para o deputado em campanha de reeleição o apoio do ex-quarterback do Miami Dolphis, Dan Marino, acionista da Digital Domain e extremamente popular no estado.

A benesse alcançada gerou mais laços. Analisando documentos da época, a reportagem do ICL Notícias encontrou na CVM um recibo com uma opção de compra de ações da Digital Domain para Kevin Ambler, datada de 23 de novembro de 2011.

Opção de compra de ações de Kevin Ambler

Textor foi além em sua generosidade e fez a porta giratória rodar. Em 2011, Kevin Ambler entrou para o conselho de administração da Digital Domain, com vencimentos de US$ 20 mil por ano e mais US$ 2 mil por reunião. Entre as despesas de Textor também estava uma consultoria paga para Cynthia Henderson, muito próxima ao governador.

US$ 84 milhões em subsídios e retorno zero

Com os US$ 20 milhões do estado da Flórida garantidos e sancionados em 30 de junho de 2009, o empresário seguiu passando o chapéu.

O dinheiro público seguiu jorrando. Em Port St. Lucie conseguiu mais US$ 62 milhões, incluídos aí terrenos e um estúdio de última geração e totalmente equipado. E mais US$ 2 milhões em Palm Beach. Numa primeira rodada em 2009, US$ 84 milhões do contribuinte no bolso. Além dos subsídios em dinheiro do estado, de Port St. Lucie e Palm Beach, esta última ainda cedeu um terreno no centro da cidade, no valor de US$ 10 milhões para a Digital Domain construir um estúdio de animação em parceria com a escola de cinema da Florida State University.

Uma fusão como salvação

Paralelo ao chapéu que seguia passando, a parte mais importante do plano de Textor também entrava em ação: promover a fusão entre a mais nova Digital Domain, a da Flórida, agora com a caixa cheia, alimentada por dinheiro público de subsídios, e a Digital Domain da Califónia, alquebrada em dívidas e de falência iminente.

Entre 30 de junho de 2009, data da sanção da lei liberando o empréstimo de US$ 20 milhões, e 1º de outubro, a Digital Domain Florida comprou US$ 16,8 milhões em ações da “Digital Domain California Series CP”, além de pagar para a matriz pelos direitos de royalties de “Titanic”. Passando assim a ter o controle de 51% da empresa californiana. Nem os rios de dinheiro público estavam bastando. A Digital Domain seguiu afundando em dívidas.

A auditoria amiga

Depois de alguns anos operando com a PWC e a Deloitte, que emitiram pareceres de “preocupação contínua” nos anos anteriores e apontaram que a Digital Domain California não conseguia financiar suas operações por meio de receitas, John Textor recorreu a um velho conhecido.

Contratou a SingerLewak, do dublê de cantor e auditor Lewak, que já havia prestado serviços para Textor entre 2005 e 2007, então na Baby Universe. Sempre sem ressalvas. Pouco depois, a Baby Universe entrou em falência.

Apesar do conhecido caos nas finanças da Digital Domain, a mágica aconteceu de novo com a SingerLewak. Todas as auditorias para os anos encerrados em 31 de dezembro de 2009, 2010 e 2011 foram favoráveis.

Agoniza e morre: a renúncia de Textor e a falência

Em novembro de 2011, Textor fez nova investida para salvar a empresa e a Digital Domain e ofereceu suas ações na bolsa de valores. A arrecadação foi menor do que a expectativa. Só deu para adiar um pouco a tempestade total.

Que veio em prestações, agonizando dia após dia e desenhando o fim.

O desesperado canto do cisne veio numa última tentativa de levantar capital. Junto a um grupo de fundos de hedge (fundos para gerenciar riscos), buscou o que nos Estados Unidos chamam de “financiamento em espiral da morte” ou “conversíveis tóxicos”, um tipo de financiamento que envolve a emissão de títulos conversíveis podendo ser convertidos em ações ordinárias da empresa. Não adiantou.

Em 20 de agosto de 2012, a Digital Domain entrou em “default” (não pagamento) dos empréstimos que explodiam. Como bola de neve.

Em 7 de setembro, o estúdio foi fechado e 346 funcionários demitidos. Pressionado pelos demais sócios, Textor apresentou sua carta de renúncia da empresa.

No dia 11 de setembro de 2012, a Digital Domain declarou falência..

Empresa ressurgiu na China pós-falência envolvida em escândalo de corrupção

Nem a falência desacelerou o ritmo frenético dos negócios da Digital Domain, agora sem os antigos sócios.

No leilão de falência, em 21 de setembro de 2012, a empresa foi comprada por US$ 30,2 milhões pela Beijing Galloping Horse (com 70%), produtora de cinema e televisão na China, e o restante pela indiana Reliance Media Works, passando a ser a Digital Domain 3.0, ligada a Digital Domain Holdings, com sede em Hong Kong e sem Textor nos registros. A entrada dos chineses já tinha ocorrido numa pequena participação antes da falência, ainda com o americano na direção.

Menos de um ano depois, em julho de 2013, uma nova transação de venda. A tradicional revista americana Variety em sua edição de 29 de julho de 2013, descreve com os seguintes termos as transações da Digital Domain no período: “bilionários misteriosos e negócios clandestinos”, “investidor misterioso”, “série complexa de transações, nenhuma das quais é exatamente o que aparece na superfície”, “caminho sinuoso”. Reportagem do The New York Times, em 4 de junho de 2014, afirma que a Galloping Horse foi usada na aquisição como uma empresa de fachada. É nessa empresa que irá ocorrer anos depois um movimento surpreendente:

Skaterschikov é nomeado na Digital Domain Chinesa

Em dezembro de 2020, a Index Atlas, de Sergey Skaterschikov, anunciou investimento na Digital Domain Holdings (Hong Kong) e em sua subsidiária no paraíso fiscal de Bermudas.

Um mês depois, em janeiro de 2021, a Index Atlas anunciou desistência do investimento, mas em 22 de janeiro de 2021, Skaterschikov foi nomeado para o conselho da Digital Domain Holdings. O russo ainda aparecerá nos próximos capítulos dessa história, assim como as empresas de Bernard Burgener, Alexander Studhalder e Ivan Sabalov, que se conectam à Digital Domain Holdings.

Skaterschikov nomeado na China

Regras para concessão de subsídios na Flórida mudaram após escândalo de Textor e Digital Domain

Milhares de páginas em uma infinidade de documentos públicos, como relatórios da Enterprise Flórida e do Departamento de Oportunidades Econômicas (DEO), relatam os seis intensos anos de Textor (2006 a 2012) à frente da Digital Domain.

Entre muitos, dois documentos principais analisados pelo ICL Notícias são extremamente detalhados sobre o período.

Em 2013, sob novo governador Rick Scott, o estado da Flórida promoveu uma devassa sobre o subsídio concedido à Digital Domain pelo antecessor Charles Crist, que ignorou os relatos alarmantes da Enterprise Flórida.

O documento mais completo dessa devassa é o “Review of the 2009 Economic Development Incentive Award to Digital Domain Group”, o “relatório 2013-11”, de 26 de março de 2013. Este relatório detalha os números capengas da empresa, o processo de concessão do subsídio e inclui depoimentos dos funcionários envolvidos, além de trechos de e-mails de John Textor pressionando pela concessão. O escândalo foi tão marcante que gerou mudanças nos procedimentos para futuros empréstimos.

Capa do relatório de revisão da Flórida

Processo do Estado da Flórida contra Textor fala em fraudes e esquema de pirâmide financeira

O “relatório 2013-11” é a base do processo iniciado em 22 de julho de 2014, no qual o estado da Flórida interpôs ação contra a Digital Domain, John Textor e outros sócios no Tribunal do 19º Circuito Judicial, no Condado de St. Lucie.

A peça começa assim, antes de reproduzir a sequência de fatos que resultou na concessão do subsídio e de pedir indenização para o estado:

“O roteiro tinha as características de um grande sucesso de bilheteria de Hollywood: ganância, corrupção, efeitos especiais e um público fascinado e disposto a apoiar a crença. No mundo real, não houve final feliz em Hollywood. O herói não salvou o dia. O vilão não foi derrotado. Em vez disso, a história terminou com os contribuintes da Flórida sendo enganados em mais de US$ 80 milhões de dólares. Esta é uma ação para recuperar milhões de dólares indevidamente tomados pelos diretores do Digital Domain Florida.”

Dois anos depois, em maio de 2016, o processo foi encerrado por um acordo judicial. O estado foi indenizado em US$ 3 milhões. A cidade de Port St. Lucie ficou com US$ 3,2 milhões. O acordo judicial, de 115 páginas, incluiu outros participantes, vítimas como investidores, em um custo total de US$ 33,2 milhões. O ônus do investimento fracassado foi suportado por 13 companhias de seguro da Digital Domain.

Como parte do acordo, Textor também conseguiu redução de US$ 8,5 milhões na hipoteca de uma propriedade em Telluride, Colorado, usada para garantir um empréstimo de US$ 10 milhões para a Digital Domain, e, ao fim, a despeito de todo o fracasso e denúncias, saiu mais rico do que entrou.

Em 1º de junho de 2016, o editorial do TC Palm, noticiário do jornal USA Today encartado na região de Palm Beach, abordou a decisão assim:

“Talvez isso, em poucas palavras, seja o grande problema aqui. Empresários experientes em Wall Street, como Textor, manipulam o sistema e acrescentam ao fardo financeiro dos contribuintes, então saem com contas bancárias muito bem recheadas.”

Ações contra a Digital Domain e acusações de fraude contra Textor se espalharam pelos Estados Unidos

Um rastilho de processos contra John Textor e a Digital Domain se espalhou pelo país. Nas cortes de Delaware, Nova Iorque, Califórnia e Flórida, investidores denunciaram Textor e a empresa por fraude. Em uma dessas ações, no Tribunal Distrital da Califórnia, um ex-sócio revelou que o famoso diretor de Hollywood, Michael Bay, descobriu que estava sendo enganado por Textor e vendeu suas ações.

“Esquema Ponzi de fato”

Entre tantas acusações, o estado da Flórida foi veemente em um ponto: a estratégia de Textor ao obter fundos para uma nova Digital Domain na Flórida, cobrindo o buraco existente nas contas da Digital Domain Califórnia, configurou um “Esquema Ponzi”. A falência estava prevista:

“Como todos os Esquemas Ponzi, o fim da Digital Domain era uma certeza.”

E resumia:

“A Digital Domain California era um Esquema Ponzi de fato. Era um mutuário em série que substituía dívidas antigas por novas dívidas para manter a empresa funcionando.”

Nova negociação de Textor no futebol tem digitais de oligarca russo como pano de fundo

O avanço das negociações de Textor para aquisição do Everton, time da Premier League inglesa, bota no radar o nome de um outro oligarca russo: Alisher Usmanov.

O bilionário uzbeque, de 70 anos, com fortuna estimada em US$ 14 bilhões, dono, entre outros negócios, da USM, holding russa com grandes investimentos em minerais, telecomunicações e tecnologia e muito próximo a Putin, era um dos maiores patrocinadores e investidores do Everton.

A “Oligarch Files”, investigação do londrino The Guardian sobre os negócios de oligarcas russos, apontou que o empresário inglês-iraniano Farhad Moshiri, proprietário do Everton, realizou uma série de transações entre o dono do Everton e Usmanov entre 2018 e 2022, como a venda de 270 milhões de libras em ações de empresa onde o russo era o acionista.

Os documentos do jornal indicam que as ações jamais teriam sido pagas por Moshiri. Antes disso, em 2016, ambos tinham ações em conjunto no Arsenal. Nesse mesmo ano, Moshiri teria “vendido” suas ações do Arsenal e assim financiado seu investimento inicial no Everton, deixando desde então a suspeita de que Usmanov seria de fato o proprietário do Everton, agora na mira de Textor.

Desde março de 2022, Usmanov está sob sanção do governo do Reino Unido pela invasão da Ucrânia pela Rússia.

Luis Henrique, jogador do Botafogo. Foto: Reuters

O Botafogo e a Ciranda de Textor

Nos “multi-club ownership” de John Textor, os empréstimos, transações e as dívidas entre as partes já começaram.

Reportagem de Rodrigo Mattos publicada no UOL em 4 de maio de 2024, mostrou, a partir de análise do balanço de 2023, que houve empréstimo da XP Investimentos para a SAF Botafogo no valor de R$ 340 milhões. O documento registra que o dinheiro saiu do Botafogo e foi emprestado para o próprio John Textor, além de ir para outra perna da empresa, o belga RWD Molenbeek, aumentando o endividamento do clube carioca. O balanço mostrou que o Botafogo teve déficit de R$ 101 milhões no ano passado. Se não for considerada a venda de 20% dos direitos do campeonato brasileiro para investidores da Liga Forte União (LFU), esse rombo de quem gastou muito mais do que arrecadou sobe para R$ 267 milhões em 2023.

A mesma estratégia de transações entre empresas do grupo dos negócios anteriores de Textor segue no clube carioca. As transações entre os braços da rede, no caso, os clubes, têm marcado a breve existência da SAF Botafogo.

No início de 2023, Textor afirmou que Jeffinho seria emprestado pelo Botafogo ao Lyon. Três dias depois, o dono dos clubes anunciou que o atacante estava indo para a perna francesa da rede, mas vendido por 10 milhões de euros. O atleta está de volta ao clube.

Em janeiro desse ano, o goleiro Lucas Perri, (26 anos), e o zagueiro Adryelson, (25 anos), foram negociados para o Olympique de Lyon. Por 6,83 milhões de euros (R$ 36,4 milhões na ocasião). Perri saiu por 3,25 milhões de euros (R$ 17,3 milhões) e Adryelson por 3,58 milhões de euros (R$ 19,1 milhões). Ambos, de acordo com todas as análises e expectativas, muito abaixo do que se esperava. Na ocasião, o mercado especulava que os dois sairiam por 20 milhões de euros. (então R$ 107 milhões), praticamente três vezes mais.

Também em janeiro outra transação entre os clubes da rede foi feita, quando o Lyon acertou a contratação do atacante Luís Henrique junto ao Betis mas por fim acabou no Botafogo como a mais cara transação do futebol brasileiro até então, 20 milhões de euros, equivalente ali a R$ 106 milhões. O valor foi batido recentemente na contratação do argentino Tiago Almada, que veio para o Botafogo por 22 milhões de euros mas deve ir para o clube francês.

Com Luís Henrique e Tiago Almada, a SAF Botafogo fez as duas transações mais caras da história do futebol brasileiro, muito acima da receita. O tempo irá dizer se aquele veredito da Enterprise Flórida em 16 de abril de 2009 ao negar financiamento para a empresa de Textor era uma profecia: “modelo de negócio insustentável”.

Outro lado

John Textor – A reportagem enviou uma série de questões a John Textor em diferentes ocasiões, por diferentes meios: através da assessoria de imprensa da SAF Botafogo, por telefone e e-mail do diretor de comunicação, e também para a assessoria da Eagle Football. Todas as tentativas de contato não foram respondidas. As respostas da Index Atlas, de Sergey Skaterschikov, estão na própria reportagem.

 

*Especial para o ICL Notícias

 

LEIA AS OUTRAS MATÉRIAS DA SÉRIE:

Os segredos de Textor (2) – Novos negócios, velhas acusações

Os segredos de Textor (3) — A conexão Moscou e a teia

Os segredos de Textor (4) – Na sombra dos oligarcas

 

 

 

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